Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

e continua a desempenhar a função de sistema com quatro classes em
outro sentido (mantendo a prima cruzada matrilateral na classe dos côn-
juges possiveis>. É o que deixa claro a Figura 23, a qual mostra igual-
mente que se a lei da alternância entre fórmula normal e fórmula opta-
tiva é aplicada em linha direta, estende-se automaticamente à linha co-
lateral, e inversamente_


Como se vê, todos os casamentos fazem-se com a filha do irmão
da mãe, ao passo que a filha do irmão do pai é automaticamente ele-
minada pela aplicação alternativa das duas fórmulas Não há necessida-
de de insistir no fato que, sejam quais forem as modalidades deste uso
alternativo, é sempre a prima matrilateral que será conservada e sempre
a prima patrilateral que será exclulda
Noutras palavras, o sistema está
inteiramente orientado em um sentido e a orientação inversa é impos-
slveL Daremos no capitulo XXVII a razão desse fenômeno
A ligação entre a regulamentação do casamento e o mecanismo das
classes, própria do sistema Murngin, é portanto clara
Não é menos
verdade, porém, que esta ligação só foi estabelecida ao preço de uma
extrema complicação e da elaboração de um sistema penoso e incômodo
Para chegar à dicotomia dos primos, intermédia entre a resultante de
um sistema de metades e a que é própria de um sistema com oito sub-
secções, poder-se-ia dizer que tudo se passou como se tivéssemos pro-
cedido da seguinte maneira: primeiramente adotar o sistema de oito
subsecções
Em seguida modificá-lo de maneira a funcionar como um
sistema mais simples, E finalmente reduplicá-lo a fim de obter uma fór-
mula de dicotomia intermédia entre a do sistema simples e a do sis-
tema complexo Parece que se chegou de uma só vez à fórmula mais
complicada, e que esta fórmula complicada tenha sido ainda compli-
cada para pOder funcionar como fórmula mais simples
Este procedi-
mento sugere fortemente que o sistema Murngin não é uma codificação
direta da regra de casamento própria desse grupo, mas resulta antes
de uma espécie de compromisso entre uma regra de casamento pre-
existente e um sistema de classes introduzido de fora em sua forma mais
desenvolvida
Esta hipótese está de acordo com as observações de Stanner so-
bre o sistema matrimonial dos Nangiomeri, que vivem há várias centenas
de quilômetros da Terra de Arnhem
Recentemente ainda os Nangiomeri
não tinham nem secção nem metade, nem nenhuma outra forma de
classes matrimoniais O casamento fazia-se então com as duas primas
cruzadas bilateraL Há alguns anos estes indigenas tomaram emprestado
das tribos que viviam ao sul e ao sudoeste um sistema complexo de
subsecções totêmicas matrilineares e uma nova forma de casamento com
a filha do filho da irmã (com a condição de não ser filha da própria
filha, que pode casar-se com o filho da irmã)
A analogia com o fun-
cionamento das subsecções no sistema Murngin é ressaltada pela seguinte
observação de Stanner: o pai do pai do Ego acha-se na mesma sub-
secção que o filho do filho do Ego, enquanto em um sistema clássico
o pai do pai do Ego inclui-se na mesma subsecção que o próprio Ego
Ao contrário, entre os Nangiomeri, o Ego inclui-se em uma subsecção
intermédia, sendo o filho de seu filho que fecha o ciclo
Tal como entre


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