Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

os Murngln, o ciclo é pois reduplicado. Stanner comenta: "Os indígenas
reconhecem francamente que não compreendem ainda este novo sistema ...
e que este lhes foi ensinado pelas tribos de Fitzmaurice e de Victoria
River".· Em outro trabalho sobre o mesmo grupo o autor exprime-se
da seguinte maneira: "Produziu-se em larga escala a mesma coisa qUe
foi relatada por Warner relativamente à Terra de Arnhem. Os Nangiomeri
estão em vias de tentar aplicar - e conseguem isso muito engenhosa.
mente - a um tipo Kariera de organização social um sistema de sub·
secções elaborado por um.. sociedade muito mais complexa, pertencente
provavelmente ao tipo Aranda. Isto é, uma sistematização de um sistema
de parentesco de tipo Aranda espalhou·se até eles, sem que o sistema
sobre o qual era fundada tenha sido adotado. Contudo, os Nangiomeri
pretendem que foi ao mesmo tempo que adotaram o sistema de sub-
secções e o casamento com a filha do filho da irmã".·
Esta última observação de Stanner deixa intacta a questão da relação
final entre o sistema de classes dos Nangiomeri e sua regulamentação
do casamento. Porque mesmo se, conforme foi sugeridO, tomaram de
empréstimo simultaneamente um e outra, seria preciso saber ainda em
que condições os dois tipos de fenômenos vieram a coexistir entre seus
primeiros possuidores. Se fosse possível remontar até a origem primeira
os sistemas Murngin e Nangiomeri, parece·nos com toda certeza que se
encontraria na fonte um grupo que se esforçou por fazer coincidir um
sistema matrimonial original com um mecanismo de oito subsecções ta-
mado de outro lugar.
Se esta hipótese é exata acarreta importante conseqüência, a saber,
embora tenha se conseguido fazê-los funcionar juntos de maneira satisfa·
tória, o sistema das classes Murngin não constitui a lei do casamento
Murngin, no sentido em que o físico emprega a palavra lei. Se entender·
mos por esta palavra, com efeito, não a regra concebida pelo legislador
(porque, neste caso, é evidente que o sistema das classes é uma lei) mas
uma relação constante entre variáveis, então apresenta-se a questão de
saber se as modalidades do casamento Murngin - relativamente mais
simples que as do casamento Aranda - não podem ser expressas por
uma fórmula mais simples também do que a fórmula Aranda, em vez
de uma fórmula mais complicada, como aparentemente é o caso. O fato
dos indígenas não terem consciência dessa lei, cuja existência neste mo-
mento postulamos, não deve ser invocado como argumento contra a
pesquisa dela. Porque não temos necessidade de ser consciente das leis
lingüísticas para falar, nem das leis da lógica para pensar. Estas leis nem
por isso deixam de existir, e o teórico procura justamente descobri·las.
A este respeito, não pode ser outra a atitude do sociólogo. Conforme
observa Shirokogoroff, a respeito de um povo que oferece somente uma
ilustração particular de um fenõmeno geral:
"Da descrição e da análise das Idéias e atitudes Tungus com relação
a fenômenos referentes à sua própria organização social e às relações en·
tre grupos, é posslvel concluir que os Tungus tratam·nas no mesmo plano



  1. W. E. H. Stanner, A Note upon a Similar System among the Nangiornerf.
    Oceania, voI. 3, 1933. p. 417.

  2. W. E. H. Stanner, The Daly River Tribes: a Report of Field Work in North
    Australia, Oceania, voJ. 3, 1933, p. 397-398.


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