Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

fórmula que estabelece a identidade definitiva do sistema de troca ge-
neralizada, desdobrando pela introdução da dicotomia matrilinear, com
o sistema Murngin, com oito subsecções, tal como foi descrito anterior-
mente_ Esta identidade está de agora em diante perfeitamente clara e
ao mesmo tempo encontramos a razão da justaposição dos dois sistemas,
que chamamos respectivamente normal e optativo, e a verificação da
lei - que tínhamos proposto como hipótese de trabalho -, segundo
a qual o casamento preferencial com a filha do irmão da mãe implica
o uso alternado dos dois sistemas. O principio de troca generalizada dei-
xa, com efeito, sua herança ao novo sistema. Esta herança reside no
fato do novo sistema continuar a ser um sistema orientado, no qual as
direções são irreversíveis. Os casais não se constituem da mesma ma-
neira conforme a perspectiva em que são considerados: lendo de x para
y, os casais estão de acordo com o sistema normal; lendo de y para
x, os casais estão de acordo com o sistema optativo. Isto é, como ti-
nhamos postulado, um casamento em cada dois está de acordo com um
dos sistemas e um casamento em cada dois com o outro. Em lugar
da verdadeira simetria dos sistemas Kariera e Aranda, encontramos uma
pseudo-simetria que se reduz, na realidade, a duas estruturas assimétri-
cas superpostas.


É nesta estrutura, não simples mas desdobrada, que é preciso pro-
curar a razão da dificuldade assinalada no começo deste capitulo. Ob-
servamos a enorme extensão do sistema de parentesco Mumgin coinci-
dindo com um número de termos de parentesco quase igual ao dobro
do que se encontra nos sistemas mais complexos do tipo Aranda. Es-
tas particularidades explicam-se se admitirmos ver no sistema Murngin
uma estrutura primitivamente assimétrica, e ulteriormente reproduzida,
se assim é possível dizer, em dois exemplares grudados, para satisfa-
zer as exigências de uma lei de simetria. Este ponto talvez apareça mais
claramente se utilizarmos a seguinte imagem, que, está claro, tem ape-
nas o valor de metáfora. Podemos considerar um sistema de troca ge-
neralizada com quatro classes como uma estrutura em um espaço geo-
métrico de três dimensões, porque o ciclo se realiza de P a Q, de Q
a R, de R a S, e finalmente volta a P pela direção oposta àquela de
que se partiu. Exatamente, em suma, como se pode ir de Paris a Mos-
cou, de Moscou a Xangai, de Xangai a Nova Iorque, e finalmente de
Nova Iorque voltar a Paris. Retoma-se pelo oeste ao ponto de que se
tinha partido pelo leste. Ao contrário, um sistema de troca restrita pode
ser figurado em um espaço geométrico somente de duas dimensões. Qual-
quer que seja o número das. classes, nunca há mais de dois pontos li-
gados diretamente entre si por um itinerário fixo, que se pode percorrer
nos dois sentidos.
Quando o acréscimo das metades matrilineares transforma o sistema
primitivo de tipo generalizado, para lhe dar ao menos a aparência de
um sistema de troca restrita, surge um problema de figuração bem co-
nhecido pelOS geógrafos, a saber, como representar no plano o aspecto
exterior de um corpo com três dimensões? Os cartógrafos dispõem para
isso de diversos métodos de projeção, nenhum dos quais aliás oferece
uma solução perfeitamente satisfatória. Assim, em lugar de mostrar so-


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