que ponto Elkin se engana, quando, deixando-se arrastar por um em-
pirismo inspirado por Malinowski, declara: "De maneira geral o estudo
do elemento puramente formal dos sistemas de parentesco australianos
não vale a pena ser empreendido... Afinal de contas só dá pouca sa-
tisfação e não oferece nenhuma real compreensão da vida da tribo".'
No que diz respeito à sociedade Murngin propriamente dita, é di-
ficilmente concebível que uma sociedade funcione nas condições suge-
ridas pela teoria e conserve sua índividualidade. Por outro lado, se a
sociedade Murngin fosse concretamente desdobrada em duas subsocieda-
des, o fato não teria podido passar despercebido a observadores da qua-
lidade de Warner e de Webb. É preciso, na verdade, que os Murngin
adotem uma fórmula que lhes permita preservar a unidade do grupo.
Tínhamos portanto razão em supor que o sistema, tal como é enun-
ciado nas complicadas regras das subsecções e do casamento optativo,
deve ser considerado como uma teoria elaborada por indígenas subme-
tidos a influências contraditórias, e como uma racionalização dessas di-
ficuldades, mais do que como a expressão da realidade. A realidade do
sistema está noutra parte, e procuramos desentranhar a natureza dela.
[Resta saber como os Murngin conseguem escapar ao perigo de teu
sistema teórico, o que só pode acontecer aplicando-o de maneira infiel.
Nessas condições, as lacunas das observações, as indicações equívocas
sobre as diferentes maneiras pelas quais na realidade podem fechar-se
os ciclos de trocas, não derivam talvez unicamente da carência dos in-
formadores. É possível que sejam indício de um limite intrínseco da es-
trutura, que não pode se completar sem comprometer a unidade do grupo.
Este limite é caracterizado pelo fato dos ciclos reais serem mais curtos
ou mais longos que os implicados pela existência de sete linhagens? É
possível também que o ciclo se feche com o salto de uma ou várias
gerações, conforme acontece entre os Wikmunkan. Seja como for, a co-
dificação de aparênCia Aranda está condenada a ficar sempre íncompleta,
ou o grupo social a se segmentar].
Não é portanto um fato absolutamente arbitrário que os sistemas
da região de Southern Cross se apresentem com o aspecto - aliás ilu-
sório - de duas metades endogâmicas, e que os Yir-Yorontes sejam,
ao menos parcialmente, endógamos. Os Yir-Yorontes dividem-se em duas
metades patrilineares, e "todos os homens dos clãs pam Lul casam-se
na outra metade; contudo, somente certos clãs Pam Bib aliam-se com
clãs Pam Lul. Os outros casam-se nos clãs de sua própria metade Pam
Bib".' Estes fatos deveriam ser atentamente reexaminados à luz das con-
clusões teóricas resultantes do estudo matemático.
Existe, em todo caso, uma tribo sobre a qual sabemos que um sis-
tema de troca generalizada em plena evolução tende a provocar a subdi-
visão do grupo em subsociedades: são os Apinayé do Brasil Central. Lem-
bramos que a tribo divide-se em quatro kiyé, isto é, em quatro "lados"
ou "partes". A regra do casamento é típica da troca generalizada. Um
- A. P. Elkin, Native Languages and the Field Worker in Australia. Amerlcan An-
thropologist, vaI. 43, 1941, p. 9I. - L. Sharp, Ritual Life and Economics of the Yir·Yoront of Cape York peninsula.
Oceania, vaI. 5, 1934-1935, p, 19.
273