caso de necessidade. O casamento Katchin deveria pois mostrar·se um
processo quase automático e sem história, não dando lugar à duvida
ou à infração. De fato, porém, nada disso acontece. Vemos que a regu.
lamentação límpida dos graus prescritos acaba por ficar submetida à
casuística, de complicação quase inconcebivel, da compra. Porque a noiva
não deve somente ser escolhida, deve também ser paga. E a admirável
simplicidade das regras que governam a escolha entra no mais espantoso
contraste com a multiplicidade das regras que é preciso agora considerar.
Gilhodes é o primeiro a nos indicar que o casamento não é Um
negócio tão simples quanto se poderia concluir das regras da união pre·
ferencial. "São os pais, mais freqüentemente o pai, que se preocupam
com o futuro de seus filhos. Todo casamento toma mais ou menos a
forma de uma venda, na qual o preço da mulher varia de acordo cOm
sua categoria"." O lugar eminente que este aspecto do problema ocupa
no pensamento indígena exprime-se nos cantos de regozijo por ocaSIaO
do nascimento de um filho: "Que ele cresça! que se torne pai de nu·
merosos filhos!" exclama-se se for um menino. E se for uma menina
"que ela cresça" que possa um dia ser dada em casamento e render à
sua familia búfalos, gongos, licores, vestidos!"" Gilhodes comenta estas
exclamações da seguinte maneira: "Os Katchin desejam ardentemente ter
filhos, meninos para continuar e propagar a família, meninas para ti·
rarem lucro, especialmente por ocasião do casamento ..... I,
OS artigos que figuram nas prestações matrimoniais são de diversos
tipos, alimentos, em forma sobretudo de carne e de licor, animais do·
mésticos, como búfalos e porcos, objetos de uso, por exemplo, esteiras
e cobertores. Finalmente há os sumri, que são Objetos de natureza es·
pecial, assim chamados porque os maus espíritos consideram-nos como
os "nervos vitais", sumri, que Karai Kasang segura na mão. Vendo que
são sólidos, os espíritos não ousam mordê·los e fogem. Os sumri não
são negociáveis. Consistem sobretudo em armas antigas, alabardas chama·
das ningpha e sabres cerimoniais chamados shatunri, habitualmente peno
durados em cima da lareira, no quarto dos pais. São utilizados para
espantar os espíritos em caso de doença grave, por ocasião do nasci-
mento de uma criança, etc. e seu único modo de transmissão é a devo-
lução pelos pais da mulher, mayu ni, aos pais do marido, dama ni, no
dia do casamento, e como uma das etapas da troca ritual de presentes."
Voltaremos a encontrar o equivalente deles entre os Gilyake."
Vimos que o preço da noiva é função da categoria dela, mas não
somente da categoria, ao que parece, porque os mayu ni recuperam, ao
formular exigências arbitrárias, uma parte ao menos da liberdade de que
a atribuição dos graus preferidos os tinha aparentemente privado. En·
tre os Haka Chin "não se recusa um pretendente que pede urna moça
em casamento, mas exige·se um preço exorbitante"." O preço da noiva
- Gilhodes, op. cit., p. 211.
- Ibid., p. 178.
- lbid., p. 185.
- lbid., p. 175.
- Capo XVIII, p. 347·348.
- Head, Hand Book, p. 1.
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