Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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mentâneo, para desempenhar junto dela o papel habitual do irmão, de
casto companheiro de cama. n Se o sistema Gilyak admite as mesmas
implicações, não haverá dificuldade em interpretar a curiosa distinção
entre as diferentes formas de incesto entre os animais. "Na verdade, Os
Gilyak estão tão profundamente convencidos de que suas regras do
casamento fundam-se na natureza das coisas que as aplicam até a seu
animal doméstico, o cão. Acreditam que entre os cães também irmãos
e irmãs não podem copular. As raras exceções que se produzem são
atribuídas à influência de um espírito mau, milk, e conseqüentemente, se
um Gilyak por acaso assiste a um ato incestuoso entre cães, deve matar
o animal, sob pena de fazer a culpa recair sobre ele próprio. A execução
do cachorro é uma cerimônia religiosa. O animal é primeiramente es-
trangulado, e depois o sangue é lançado na direção dos quatro cantos
do mundo._ Para o cachorro, entretanto, esta cerimônia representa apenas
a punição do incesto. É curioso notar que os Gilyak toleram o incesto
entre cães de gerações consecutivas, entre mãe e filho, etc." 18
Finalmente, estas considerações são essenciais para se compreender
adequadamente os sistemas da Europa Oriental antiga, inteiramente imo
pregnados desta solidariedade fraterna, e onde é também para o tio
materno que a noiva se volta em lágrimas na véspera da separação.;o
Conforme teremos ocasião de mostrar, estas afinidades comprovam a
unidade tipológica de um vasto sistema que poderíamos denominar, deste
ponto de vista, Emro-asiático_
Tudo isto existe nos costumes que descrevemos, mas existe também
outra coisa. Porque, de um lado, o tio materno da noiva desempenha
um papel ainda mais importante que o irmão dela, e por outro lado,
pelo menos em alguns sistemas, este papel aparece como o termo final
de uma oposição em que o outro lugar é ocupado pela irmã do pai do
noivo, e os dois papéis são antagonistas. O irmão da mãe (às vezes sua
mulher) protege a noiva e retarda, pelas exigências que faz, a partida
dela para a nova residência (lembremo·nos do comportamento da tia no
casamento Haka Chin). Por outro lado, a irmã do pai do noivo dá os
primeiros passos e procura obrigar a noiva a ir para a casa de seus
sogros_ As duas funções são portanto, ao mesmo tempo, correlativas e
opostas. Que significa isto? Todos os sistemas em questão impõem, ou
preconizam, o casamento com a filha do irmão da mãe, e todos desa-
conselham, ou proíbem, o casamento com a filha da irmã do pai. Ora,
os dois atores em questão são precisamente o tio materno da noiva e a
tia paterna do noivo, isto é, aqueles que, na ausência da regulamentação
assimétrica indicada, teriam no casamento um interesse não indireto mas
direto. O primeiro, porque seu filho poderia casar·se com a irmã do
noivo, a segunda, porque seu sobrinhO poderia casar-se com sua própria
filha. Pelo duplo aspecto, positivo e negativo, o papel deles exprime
pois o abandono ou a afirmação de uma dívida, resultante do fato de,
entre dois tipos simétricos de casamento, um ser prescrito e o outro


  1. Dubois de Monpereux (1839), citado por M. Kovalevski. La famille matriarcale
    ou Caucase. L'Anthropologie, vol. 4, 1893.

  2. Sternberg, p. 62.

  3. Th. Volkov, Rites et usages nuptiaux de l'Ukraine. L'Anthropologie, voI. 2 e 3.


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