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CAPITULO XIX
A Teoria de Granef
A sociologia contemporânea apresenta estranhos paradoxos. As Formes
élémentaires de la vie religieuse foram escritas por um homem solida-
mente preparado para o estudo da filosofia e da história das religiões,
mas também ignorante, por experiência direta, tanto da Austrália quanto
de qualquer outra região do mundo habitada por populações primitivas_
Ora, qual é hoje em dia o crédito de que goza sua teoria geral da origem
da vida religiosa, fundada na análise dos fatos australianos? Como teoria
da religião, as Formes são inaceitáveis. Por outro lado, os especialistas
mais eminentes da sociologia australiana, Radcliffe-Brown e Elkin, estão
de acordo em encontrar nesse livro uma inspiração sempre viva. I Por
conseguinte, foi justamente naquilo em que Durkheim estava melhor pre-
parado que malogrou, ao passo que a parte mais aventurosa de sua
empresa -:- a reconstituição. por meio de documentos, da vida social
e espiritual de um grupo primitivo - depois de trinta anos nada perdeu
de sua fecundidade. Com suas Catégories matrimoniales et relations de
proximité dans ia Chine ancienne,' Granet põe-nos em presença de uma
situação análoga, mas inversa.
Nesta obra um sinólogo fornece uma decisiva contribuição à teoria
geral dos sistemas de parentesco. Mas é em forma de fatos chineses e
de interpretações da realidade chinesa que apresenta suas descobertas.
Contudo, quando as consideramos por este ângulo especial estas inter-
pretações revelam-se confusas e contraditórias, tendo sido acolhidas com
desconfiança pelos sinólogos, mesmo quando suas próprias análises não
as contradizem. Aqui, pois, um especialista exorbita talvez do papel que
lhe é próprio, mas consegue atingir verdades teóricas de um alcance
mais geral e mais alto.
Quais são estas verdades? Mais que qualquer outro, Granet contribui
para dissipar o erro da sociologia tradicional que vê na filiação unila-
teral um principio fundamental do parentesco primitivo. "Os fatos chi-
neses. .. não conduzem de modo algum a imaginar que a organização
do parentesco tenha sido primitivamente regida por um princípio unila-
teral de filiação".' Em seguida, e mudando de opinião sobre a hipótese
demasiado simplista da anterioridade da filiação matrilinear, proposta em
- A. R. Radcliffe Brown, On the Concept of Function in Social Science, American
Anthropologist, vaI. 37, 1935, p. 395. A. P. Elkin, Compte rendu de W. Lloyd Warner,
A Black Civilization, em Oceania, voI. I, 1937-1938, p. 119. - M. Granet, op. cit.,
- M. Granet, op. cit., p.2.
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