Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

seu livro Civilisation chinoise,' Granet atinge, através de um contexto de
fatos chineses extremamente duvidosos, é preciso que se diga, o sistema
das gerações alternadas resultante do regime de filiação bilateral, siso
tema demonstrado atualmente com relação a numerosas regiões do mUn-
do.:' "Em que condições pôde funcionar um sistema governado pelas
obrigações do paralelismo e da exogamia se o nome de família dependia
dos homens e os nomes próprios dependiam das mulheres?"" Estas
condições são definidas, ulteriormente, com um rigor teórico que é con·
firmado em todos os detalhes pela observação dos grupos que adotam
este sistema. Em terceiro lugar, Granet formula, sem aparentemente co-
nhecer as sugestões análogas feitas por Williams e Fortune,' uma teoria
positiva e estrutural da proibição do incesto e da exogamia. "Os fatos
chineses. .. não conduzem... a pensar que os hábitos, em matéria ma·
trimonial, foram primeiramente dominados pela vontade de proibir, em
virtude de certas regras de filiação, alguns casamentos. Estes hábitos
aparecem como expressão de tendência a regular a circulação destas
prestações particularmente eficazes que são as prestações de mulheres,
de maneira a obter devoluções regulares, favoráveis à manutenção de
certo equilibrio entre grupos tradicionalmente associados"." Sem dúvida,
esta concepção deriva diretamente do Essai sur le Don, mas Granet soube
desenvolvê-la e ilustrá-la com força e persuasão excepcionais.
Baseando-se na idéia de que as regras do casamento são sempre des-
tinadas a fundar um sistema de troça, Granet tentou reconstruir a evolução
do sistema chinês. E, deixando de lado, de momento, a questão de saber
o que vale sua reconstrução do ponto de vista dos fatos chineses, de·
vemos prestar·lhe homenagem por ter formulado uma classificação ("ex·
pulso·cruzado" e "troca retardada"), que tentamos demonstrar no presente
livro fornecer a única base possível para o estudo dos sistemas de
parentesco ("troca restrita" e "troca generalizada"). Neste particular,
Granet parece ter trabalhado como um livre·atirador. Não se encontra
nenhuma indicação que sugira conhecimento de Hodson ou de Held, os
únicos que tiveram, na época em que escrevia, o pressentimento do pro-
blema e de sua solução. Isto torna sua descoberta ainda mais notáveL
Mas as implicações teóricas do seu livro passaram despercebidas, porque
em nenhum lugar são apresentadas como tais. Granet acreditou apenas
ter descoberto aspectos sensacionais da sociologia chinesa, sem equiva-
lentes no resto do mundo, o que, de seu ponto de vista de sinólogo,
aumentava ainda o valor deles. Com efeito, reinventou, com as cores
de um suposto sistema chinês de transição, que provavelmente nunca
existiu na China - dai a desconfiança de seus colegas -, o sistema murn-
gin, que provavelmente não conhecia - mas que existe na Austrália -,
o que pode granjear·lhe a admiração dos sociólogos."



  1. M. Granet. La civilisation chinoise, Paris 1929.

  2. Cf. capo VIII.

  3. Catégories, p. 105.

  4. F. E. Williams, Papuans 01 the Trans·Fly, Oxford 1936, p. 167-170. R. F. Fortune,
    art. Incest, em The Encyclopaedia 01 the Social Sciences, Nova Iorque 1935, p.
    620·622..

  5. Catégories, p. 2.

  6. [Para mim não parece haver dúvida hoje que Granet, sem citá-lo, foi in·
    fluenciado por Van Wouden. Mas Granet tem tantos outros títulos para merecer a
    admiração dos sociólogos, que a fórmula acima não precisa ser modificada. Em
    compensação, eu próprio ignorava a obra de F. A. A. van Wouden (Sociale structuur-


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