tórica do que o reconhecimento de uma necessidade lógica. Entre o
regime estritamente determinado, que postula como sendo representativo
do estádio arcaico, e a liberdade moderna deve ter havido ao menos uma
forma de transição, sendo esta que aquele autor propõe reconstruir. De-
tenhamo-nos por um instante neste ponto. O regime chamado das quatro
classes não está comprovado em nenhum lugar da China (embora os
documentos antigos e as observações atuais sugiram como altamente pro-
vável que em determinada época, ou em algumas regiões da China, tudo
se tenha passado - ou ainda se passe hoje - como se tal sistema ti-
vesse estado, ou esteja ainda, em vigor). Entretanto, a realidade do sis-
tema é apenas uma hipótese, e quando se admite, como faz Granet, que
a lógica interna da hipótese impõe uma segunda hipótese cuja base
objetiva é infinitamente mais frágil que a da hipótese inicial, constrói-se
um 'edifício talvez sedutor do ponto de vista de uma estética lógica, mas
cujo plano não pode ser aprovado pela crítica histórica, porque, afinal
de contas, é a hipótese mais miúda que receberá o encargo da construção.
Tomando novamente de Granet um de seus termos, o método por ele
seguido é essencialmente j'ideológico". Sentimo-nos a cada momento obri-
gado a lutar contra o mal-estar provocado por ele, a fim de não recusar
aos fatos - e aos embriões de fatos - que surgem aqui e ali todo o
crédito que merecem. Quais são estes fatos? Procuraremos seguir tão de
perto quanto possível a exposição, freqüentemente obscura, de Granet.
O desdobramento hipotético do sistema (por si mesmo hipotético) de
quatro classes em um sistema de oito classes é inicialmente sugerido
pela forma tomada pela ordem tchao mou entre os nobres. Não somente
as gerações consecutivas são opostas, mas aparece uma subdistinção entre
o avô e o neto, que obriga a fazer ascender o culto ancestral até o tris-
avô. Ora, "quando os "netos" devem ser distinguidos dos "avós", quando
o trisavô não pode ser confundido com o avô, e quando a quatro ge-
rações de antepassados se opõem, constituindo o conjunto de TODO grupo
cultuaI, quatro gerações de vivos, o motivo não seria que, por efeito de
certa bipartição, o número das categorias teve de ser multiplicado por
dois?":" Para que a hipótese seja admissível é preciso evidentemente que
não afete a terminologia comprovada. Lembramo-nos do duplo sentido dos
termos Ideou e cheng, kou e do sentido do termo tche. Mas é preciso
completar a análise destes termos por mais uma indicação. Quando kieou
e cheng são utilizados como termos de denominação pessoal não podem
(sendo reciprocos) servir senão entre homens. No mesmo caso e pela
mesma razão kou e tche são exclusivamente empregados entre mulheres.
A terminologia coincide pois com um sistema exclusivo de casamento en~
tre primos cruzados bilaterais, com a condição das mulheres continuarem
a se casar com o filho da irmã de seu pai, e os homens com a filha do
irmão de sua mãe, ou seja, um sistema que realiza a dicotomia entre os
dois tipos de primos cruzados, matrilateral e patrilateral. Granet pOde
assim formular sua hipótese: "Basta admitir que - deixando de se ca-
sarem com as filhas de suas "tias" (paternas) ... os homens continuam
sendo os esposos predestinados das filhas de seus "tios" (matemos) ...
para que as regras do templo ancestral e as da "ordem tchao mau"
- Idem, p. 184.
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