Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

gens patrilineares aliadas segundo a fórmula da troca generalizada. '" No
máximo. pode-se notar a existência de uma diferenciação no interior ''1ia
linhagem (como aliás na nomenclatura do parentesco, no interior das
principais gerações), entre membros mais velhos e mais moços, fazendo.se
normalmente a diferenciação através da geração do sujeito. Discutimos
em outro local este problema"" e bastará lembrar aqui que esta diferen.
ciação tão freqüente é solidária não de um certo tipo de casamento
mas da coexistência de dois tipos de casamento, que estabelecem a con:
corrência entre dois homens, pertencentes a gerações sucessivas, com
relação à mesma mulher (no caso presente, a filha do irmão da mulher
cõnjuge potencial do pai, é ao mesmo tempo a filha do irmão da mãe:
cõnjuge potencial do filho). A solução geral, da qual os Miwok oferecem
apenas uma aplicação particular, consiste então em distinguir a mulher
em irmã mais velha (que segue o privilégio da geração imediatamente
superior) e irmã mais moça (que segue o privilégio de sua geração l.
Conforme se vê, ainda aqui os dois tipos de casamento acham-se funcio·
nalmente ligados ao sistema, e não somente um único dentre eles. Nau·
tras palavras, a estrutura social dos Miwok, caracterizada por linhagens
patrilineares e patrilocais, os dois tipos de casamento preferidos e o sis-
tema terminológico das equações formam uma totalidade indissolúvel,
sendo inútil atribuir o papel privilegiado a um ou a outro de seus aspectos.


Podemos acrescentar uma nova prova. Gifford recolheu de duas in·
formadoras, uma filha da outra, a lista das relações de parentesco res-
pectivas de 'noventa e um habitantes de Big Creek, e de alguns outros.
No total, foram considerados cento e vinte e dois individuas. Gifford
estabeleceu "nç)Vamente nesta base equações complexas referentes a vinte
e três termos. Todos quantos trabalharam no terreno dos problemas de
parentesco sabem como este procedimento é habitualmente decepcionan·
te. Em primeiro lugar, porque o pensamento indigena interessa-se mais
pela ordem objetiva do sistema do que pela ordem subjetiva das genea-
logias,'" e em seguida porque um sistema, descrito por informadores ou
deduzido de interrogatórios, raramente se reflete nas situações concretas,



  1. Um traço característico do sistema miwok é a grande pobreza dos termos
    para os antepassados. Há apenas três termos, a saber, avô, avó e neto (Kroeber, Ca·
    lifornia Kinship Systems, p. 356), O modelo reduzido exigiria um maior númer~,
    porque o pai do pai pertence à minha linhagem, o pai da mãe e a mãe do pai a
    linhagem da mãe, e a mãe da mãe à linhagem da mãe da mulher. As irregulari·
    dades maQifestadas na geração dos antepassados e na dos descendentes parecem
    poder ser atribuídas à intervenção das metades. Em todos os sistemas caracteriza·
    dos por linhagens, mais metades, encontram-se termos que, usando uma significativa
    expressão dos informantes de Deacon em Ambrym, "are not straight". RetornaremOS
    em outro lugar a este fenômeno, que é certamente notável entre os miwokes. Kroeber
    observa que pelo menos um quarto dos termos de parentesco aplicam-se a pessoas
    pertenCF'1tes a uma ou à outra metade. Tira daí a conclusão que as metades foram
    recentemente introduzidas (Handbook 01 the Indians 01 Calilornia, p. 457). Gifford
    declara: "Os fatos parecem mostrar que na Califórnia não existe conexão fundamen-
    tal entre as metades e a dicotomia. Sem dúvida, todos os grupos com metades
    fazem a dicotomia dos "tios", mas muitos desprezam-na para a classe dos "antepas-
    sados". Assim, há tribos com metades nas quais os antepassados paternos e ma·
    ter!l0s são chamados pelo mesmo termo, embora dependendo de metades diferentes"
    (Glfford, Çaliloritia Kinship Terminologies, p. 282). Compare-se com ° que diz Kroeber:
    toA distribuição dos diferentes tipos de sistemas de parentesco e das modalidades
    particulares de designação de certos parentes não concorda com a divisão do sistema
    de metades" (Calilornia Kinship Systems, p. 282·283).

  2. Cf. capo XIII.

  3. Sobre, este ponto, cf. A. M. Hocart, Kinship Systems, Anthropos, voI. 32, 1937.


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