Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

tiveram uma regra análoga, com um limite de nove gerações em linha
masculina, o que leva a crer que os casamentos matrilaterais eram
possiveis. Õ I
A regra Mandchu moderna parece ser a ilustração de costumes cuja
sobrevivência na China arcaica é atestada pelos cronistas. Seríamos, assim,
conduzidos a conceber o sistema de parentesco chinês, no inicio do pe-
ríodo histórico, como tendo chegada a um estágio aproximadamente se-
melhante ao que predomina sempre entre os Naga e os Mandchu, a saber,
a troca generalizada teria já sido amplamente substituída pela troca
restrita, mas subsistiria ainda nas formas preferenciais de casamento. A
troca restrita começaria a provocar o desdobramento dos clãs e das li-
nhagens em organizações intercambiantes, sendo o caráter recente do
processo e seu estado de transformação comprovadas pela regra das cinco
gerações_
Não esqueçamos que entre os Gilyak, sempre submetidos à troca
generalizada, encontramos uma regra semelhante afetando duas gerações
e cuja existência se explica pelo desejo de introduzir um certo jogo, ou
certa maleabilidade, nas trocas matrimoniais. Conforme vimos, os Mand·
chu dão prova do mesmo desejo.
Seria interessante procurar se a hipótese de um sistema de parentesco
chinês aproximadamente na época Shang, do tipo Mandchu-Naga, pode
ser confirmada em outras regiões. Como a área Naga, a China arcaica
permitiu a constituição de novas "casas" pelo afastamento, em cada ge·
ração, de u:rn: filho que vai fundar, com novo nome, outra linhagem. õ,
É possível também que a China arcaica tenha conhecido a "Casa dos
Homens", tão, tipicamente Naga. '" Se estas aproximações pudessem ser
estendidas seria preciso admitir que a China teve a seguinte evolução:
um sistema protoarcaico, próximo dos sistemas KUki, Katchin, Tibetano
e Gilyak, isto é, fundado sobre a troca generalizada; em seguida, uma
evolução do tipo da que os Naga no sul, os Olcha, os Tungu e os Mandchu
no norte, nos oferecem uma ilustração, com traços mais ou menos vi-
gorosos de troca generalizada, demonstrados por certas preferências ma-
trimoniais ou pela sobrevivência de organizações tripartites. Este estado
corresponderia aproximadamente à véspera do período dos Shang. Final-
mente, o sistema do Ehr Ya e do I Li, onde a troca restrita parece ter
definitivamente adquirido a supremacia.
Será preciso então admitir que a troca generalizada nasceu em algum
lugar, no centro da Asia oriental, difundiu-se para o norte e para o sul,
e que a evolução ulterior da zona central não tenha tido tempo de
atingir as regiões periféricas? Segundo nosso modo de ver, três razões
militam contra tal interpretação. Passaremos rapidamente sobre a pri-
meira, que repousa em considerações teóricas, a saber, um sistema fun-
cional, como é um sistema de parentesco, não pode nunca interpretar-se
integralmente por hipóteses difusionistas. Está ligado à estrutura inteira
da sociedade que o aplica, e por conseguinte recebe sua natureza dos
caracteres intrinsecos dessa sociedade mais do que dos contatos culturais
e das migrações. Falar de difusão a propósito de fatos deste tipo equiva-



  1. Id .• p. 99-100.
    72: Maspero, La Chine antique, p. 123. M. Granet, Danses et Legendes, p. 14 e



  2. Maspero, p. 130-132. Granet, p. 52, 291, 333.


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