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CAPiTULO XXVII
Os Ciclos de Reciprocidade
o casamento entre primos cruzados contém dois enigmas. O primeiro é
constituído pela discriminação entre os primos cruzados e os paralelos,
apesar de seu igual grau de proximidade. Pensamos ter encontrado a
solução desse enigma na primeira parte. Mas parece que apenas contri-
buímos para tornar mais espesso um novo mistério, a saber, por que
razão os primos cruzados não são, sempre e em toda parte, colocados
no mesmo plano, embora do ponto de vista da solução que demos ao
primeiro problema satisfaçam as mesmas exigências. São numerosos, sem
dúvida, os grupos nos quais o casamento se faz indiferentemente com a
filha do irmão da mãe ou a filha da irmã do pai. Neste caso, aliás, a
prima cruzada atende ordinariamente às duas qualidades, sendo uma
prima bilateral. Mas outras sociedades prescrevem o casamento com a
filha da irm4 do pai e o proibem com a filha do irmão da mãe, enquanto
noutros lugarés. ainda, é o contrário que acontece. Se considerarmos a
distribuição destas duas formas do casamento unilateral constatamos que
o segundo tipo é muito mais freqüente que o primeiro. Para nós, esta
é já uma importante indicação. Mesmo nos grupos que possuem sistemas
fundados sobre a troca restrita, pode dizer-se que a linhagem do irmão
da mãe ocupa lugar privilegiado.
:E: neste ponto que se manifesta o novo enigma. Porque toda nossa
teoria do casamento apela para uma qualidade comum, possuída pelos
primos cruzados e que os opõem, pelo mesmo motivo, aos primos pa-
ralelos. Ora, não se observa, somente, uma discriminação entre os primos.
Esta discriminação penetra no interior da categoria, teoricamente homo-
gênea, dos primos cruzados. Não teremos, portanto, fundado a distinção
dos primos cruzados e paralelos, senão para vê-la imediatamente des·
moronar? Se devesse verificar·se que os dois tipos de primos cruzados
diferem tanto entre si quanto diferem, em conjunto, dos primos paraI.,.
los, a distinção que propusemos entre os dois grupos perderia quase toda
sua significação.
Esta dificuldade acha-se, desde muito, presente no espírito dos soció-
logos. Dificilmente perdoam ao casamento dos primos cruzados, depois
que levou para eles o enigma da diferença entre filhos de colaterais do
mesmo sexo e filhos de colaterais do sexo diferente, acrescentar o novo
mistério suplementar que é a diferença entre a filha do irmão da mãe e
a filha da irmã do pai. Assim, depOis de ter decidido que a distinção
entre primos cruzados e primos paralelos era desprovida de significação,
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