Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Assim sendo, a dificuldade que nos acompanha desde o começo do
estudo da troca generalizada fica esclarecida, ao mesmo tempo em que
se descobrem novos aspectos. Em toda a área da troca generalizada, isto
é, do Assam à Indonésia e da Birmânia à Sibéria oriental, encontramos
a mesma concepção lógica da oposição entre o casamento com a filha do
Irmão da mãe e o casamento com a filha da irmã do pai. Os Batak de
Sumatra proscrevem o segundo porque, dizem, "a água não pode subir
para a fonte", ao passo que os Lubu da parte ocidental de Sumatra jus-
tüicam o primeiro invocando o provérbio "a sanguessuga volta sempre à
ferida aberta" ... Lembremo-nos que o Tibete e a China condenam o casa-
mento com a prima cruzada patrilateral como sendo uma "volta do osso
e da carne" que leva a correr o risco, casO se produza, de "fUrar os
ossos" Os Golde da Sibéria distinguem igualmente o casamento que "trans-
porta o sangue", daquele que "o traz de volta". Os chineses opõem o ca-
samento que "segue a tia" ao que "retoma a casa", sendo um chamado
"casamento que sobe acosta". e o outro "casamento de retorno". U Uma
imagem análoga depreende-se de um mito Naga. Quando o tigre se separa
para sempre do homem, seu irmão, que o venceu à traição na corrida,
deixa-lhe, como últimas e supremas recomendações, os seguintes preceitos:
"Quando·' arrancas os rebentos nos jhum, para impedi-los de crescer, extrai
sempre os brotos. Utiliza sempre uma enxada para extirpar. Não cases
nunca com uma mulher de teu clã" ... A oposição SUbjacente a todas estas
fórmulas é ev.identemente a de um movimento progressivo e de um mo-
vimento regressivo, ou de um movimento natural e de um movimento
anormal.
Mas nossás análises anteriores mostram que, nesse folclore prover-
bial, há mais do que uma velharia de imagens servindo para cobrir uma
proibição e uma prescrição. Em todos esses casos (como de hábito),
o pensamento primitivo mostra-se mais digno de fé que certos sociólogos

Rivers, por exemplo, chega a dizer: "É muito düíci! ver como uma tal
regulamentação (o casamento dos primos cruzados) pode ter base psico-
lógica objetiva e conceber algum motivo que pudesse tornar desejável o
casamento dos filhos do irmão e da irmã, ao passo que o casamento
entre filhos de irmãos ou filhos de irmãs seria tão rigorosamente proi-
bido"... O mesmo autor conclui que o casamento dos primos cruzados
"não admite nenhuma explicação psicológica direta, nenhum motivo re-
ligioso, moral ou mágico", e que é preciso considerá-lo como "uma ins-
tituição destituída de sentido", uma sobrevivência ou um vestígio. Rivers,
aliás, não teria ido tão longe neste sentido, no modo de ver de autores
que evocam, como ele, "a maneira arbitrária pela qual os primitivos di-
'. videm os primos germanos entre cõnjuges possíveis e cônjuges proibi-
dos", mas que o ridicularizam por ter, juntamente com Frazer, feito do
casamento dos primos cruzados "a varinha divinatória que conduz aos



  1. Bir J. G. Frazer, Folklore in the Old Testament. op. cit., vol. 2, p. 167. 1:
    tanto mais legitimo aproximar as duas fórmulas quanto os lubus demonstram in·
    fluências batakes recentes. A filha -do irmão, da mãe, cônjuge preferido, é chamada
    nas duas Unguas boru tulang (E. B. Loeb e G. Toffelmeier, Kin Marriage and
    Exogamy. Journal of General Psychology, vol. 20, 1939, p. 216.

  2. Cf. caps. XXI e XXIII.

  3. J. P. Mills, The Rengma Nagas, op. cit., p. 266.

  4. W. H. Rivers, Marrtage of Cousins in India, p. 623-624.


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