Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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plicável, do tio da noiva nas vantagens das prestações matrimoniais."
Assim a aparente anomalia que durante todo nosso estudo da troca
generalizada apresentou-a misturada a um obscuro elemento que parecia,
à primeira vista, depender da troca restrita " reduz-se na verdade a um
caráter típico da estrutura dos sistemas de troca generalizada. Já defi-
nimos este caráter ao dizer que existem sistemas simples de troca gene-
ralizada, mas que estes sistemas nunca são puros. POde-se, sem dúvida,
conceber de maneira ideal um sistema puro. Mas as sociedades humanas
nunca chegaram a este grau de abstração. Sempre pensaram a troca ge-
neralizada em oposição à fórmula patrilateral - e, por conseguinte, ao
mesmo tempo associada a ela. A fórmula patrilateral tem uma interven-
ção latente e uma presença subjacente que oferecem àquelas sociedades
um elemento de segurança, tal que nenhuma se mostrou bastante auda-
ciosa para dele se libertar completamente.
Se esta interpretação é exata, dela é possivel extrair duas conclusões.
Primeiramente, as aparências da troca restrita que nos embaraçaram em
nosso estudo dos sistemas da índia, Birmânia, Assam, Tibete, China,
Mongólia e Sibéria não dependem na verdade dessa forma de troca. A
bilateralidade é um resultado secundário, produto da convergência de
duas formas de unilateralidade, sempre presentes e sempre dadas. A
critica das organizações pseudodualistas da índia já nos tinha feito prever
este resultado. Em segundo lugar, e também como conseqüência, o pro-
blema da anterioridade relativa da fórmula da troca generalizada e da
troca restrita' na índia e na China é um problema ilusório_ Porque se a
fórmula matrilateral é a única que exerce uma ação positiva, a fórmula
patrilateral êl(iste sempre, em forma negativa, ao lado da primeira, como
segundo terino de um par correlativo. É possivel dizer que, desde toda
a eternidade, as duas fórmulas são coexistentes_ Todas as hipóteses his-
tóricas que quisermos imaginar não conseguirão nunca oferecer outra
coisa senão a transfiguração, incompleta e aproximativa, de um processo
dialético. "
Ninguém invoca impunemente os espectros. Ao se apegarem ao fan-
tasma do casamento patrilateral, os ·sistemas de troca generalizada ganham·
uma garantia, mas se expõem também a um novo risco, porque o casa-
mento patrilateral, contrapartida do casamento matrilateral, é ao mesmo
tempo a negação deste último. Nos sistemas de reciprocidade, o casamento
com a filha da irmã do pai - ciclo curto - está para o casamento com
a filha do irmão da mãe - ciclo longo - como o próprio incesto está
para o conjunto dos sistemas de reciprocidade. Falando a linguagem dos
matemáticos, o incesto é o "limite" da reciprocidade, isto é, o ponto em
'. que esta se anula. O que o incesto é para a reciprocidade em geral, a
forma de reciprocidade mais baixa (casamento patrilateral) é também
com relação à forma mais alta (casamento matrilaterall. Para os grupos
que, com o casamento entre filho de irmã e filha de irmão, chegaram à
forma mais sutil, porém também mais frágil, da reciprocidade, o casa-


  1. Cf'. caps. XVI e XVII.

  2. [Não foi preciso portanto esperar Lane (Southwestern Journal 01 Anthropologg,



  1. para perceber os aspectos "restritos" da troca generalizada. Mas não tiramos
    desse fato as mesmas extravagantes conseqüências que este autor].



  1. '(Estas observações respondem, por antecipação, à critica feita a nós por Leach,
    de nos camprazermos em fazer reconstruções históricas].


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