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mento entre filha de irmã e filho de irmão constitui o perigo sempre
presente, mas também a irresistivel tentação de um "incesto social", mais
perigoso, ainda, para o grupo do que o incesto biológico, que nunca
chega a comprometer a segurança do sistema, porque não pode ser con-
cebido como solução_ Compreende-se, portanto, que, em todas as fórmulas
anteriormente citadas, os dois tipos de casamento achem-se associados,
embora sejam ao mesmo tempo opostos_ Compreende-se que a excelên-
cia de um tipo seja proclamada pela mesma razão que o horror ao outro
e, finalmente, que estas fórmulas sejam literalmente as mesmas que as
utilizadas pelos textos arcaicos, como o Kojiki e o Nihongi, para difamar
o incesto. "Fazer arrozais na montanha, fazer correrem os canais contra
o declive, hoje meu corpo junta-se sem dificuldade com o da irmã mais
moça ... ".. Porque casar-se com a filba da irmã do pai ou coabitar com
a irmã é, com o mesmo caráter, para um sistema de troca generalizada
inverter um ciclo de reciprocidade, o que equivale a destrui-lo, é "fazer
retroceder a água para a fonte", em uma palavra, é o incesto.
Como espantar-se, depois de tudo isto, com a violência demonstrada
por certos povos que praticam o casamento matrilateral, na condenação
do casamento patrilateral? Um não é somente o contrário e a negação
do outro, mas traz também a nostalgia e o pesar do último. Frazer e
Thurston" citaram, como curiosidade de antiquário, um texto de Ka-
nyaka Puranam, livro sagrado dos Komati, que, pelO tom apOCalíptico,
oferece a melhor prova da ambivalência já sugerida pela análise teórica.
Trata-se do; sacriflcio solene de cento e dois gotra que preferem lançar-se
nas chamas' do que admitir que a maravilbosa Vasavambika fez um ca-
samento destinado a salvar o reino mas contrário à regra sagrada do
menarikam (casamento entre filho de irmã e filha de irmão). Os cento
e dois gotra, tendo à frente Vasavambika, marcaram altivamente para cen-
to e três fogueiras, não sem ter feito seus filhos prometerem "dar sem-
pre suas filbas em casamento aos filhos das tias paternas, mesmo se
fossem de pele negra, grosseiros, zarolbos, estúpidos ou viciosos, e mesmo
se os horóscopos não fossem favoráveis e os augúrios ameaçadores"_
Avisaram-nos que, se faltassem a esse dever, perderiam seus bens, e que
a desgraça cairia sobre suas famlJias. Ainda mais, a casta recebeu plenos
poderes para excomungar os delinqüentes, impedindo-os de atravessarem
os limites da cidade. Quanto a Vasavambika, ela prometeu aos que vio-
lassem o costume sagrado "filhas atarracadas, com bocas enormes, pernas
desproporcionadas, grandes orelhas, mãos aduncas, cabelos vermelbo&,
olbos afundados com globos dilatados, olhares desvairados, narizes largos
e narinas escancaradas, corpos peludos, pele negra e dentes projetados
para a frente". Estas maldições lançadas contra os que preferem fiJbas
de irmã a fi1has de irmão não representam nenhuma inconseqüência, mas
exprimem com incomparável vigor diferenças de estruturas decisivas, e
de natureza tal que a escolha feita pela sociedade entre elas comprome-
te, para sempre, seu destino.
- Ko;tkt. trad. Chamberlain. Kobé 1932. p. 358; Nihongl, vaI. 1, p. 323-324.
- Frazer, Folklore ín the Old Testament, op. cit., vol. 2, p. 111-112. E. Thurston,
Castes and Tribes .. ", op. cit., voI. 3, p. 317-318.
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