Mas uma outra solução é igualmente possível, e foi ela que impôs
definitivamente sua marca ao sistema europeu. Uma vez que a troca
generalizada engendra a anísogamia, e esta conduz ou a soluçôes regres-
sivas (troca restrita, ou endogamia), ou à paralisia total do corpo social,
será introduzido no sistema um elemento arbitrário, uma espécie de
clinamen SOCiológico, o qual, todas as vezes que o sutil mecanismo da
troca for bloqueado, virá, como um Deus ex machina, dar a última demão
indispensável para fornecer um novo impulso Este clinamen é uma idéia
que a lndia concebeu claramente, embora tenba finalmente enveredado
por um caminbo diferente, abandonando a outros o cuidado de desenvol-
ver e sistematizar sua fórmula É o casamento swayamvara ao qual é
dedicada uma secção inteira do Mahãbhãrata" Sabe-se que consiste, no
caso de um personagem que ocupa uma posição social elevada, no privi-
légio de dar a filha em casamento a um homem de qualquer posição,
que tenha realizado uma façanha extraordinária ou, ainda melhor, livre-
mente escolhido pela própria moça E como haveria ela de proceder de
outra maneira, uma vez que, sendo filha de rei em um sistema hiper-
gãmico, a regra social, estritamente observada, lhe proibiria todo cônjuge?
Sem dúvida o casamento swayamvara tal como é descrito pela poesia
épica e pelo folclore, do Assam à Europa central e ocidental, é em grande
parte um mito_ Mas a transfiguração mítica recobre um fenômeno real,
e provavelmente também instituições positivas. Ainda na Idade Média,
o direito galê~ distinguia duas formas de casamento, rod o cenedl, "por
dom de parentela", e lladrut, "roubado, secreto, furtivo", um, cessão da
mulher pela' família, outro, dom da mulher por ela própria." Não será
possível recol1;hecer na provável justaposição de ambos durante um longo
período o ponto de partida e o ponto de chegada - lógicos e talvez
também históricos - da evolução da troca generalizada?
É interessante observar que interessado no estudo de prOblemas muito
afastados dos que estudamos aqui, G. Dumézil foi também levado a es-
tabelecer a conexão entre o casamento swayamvara (ou dos costumes
muito próximos) com a estrutura hipergâmica da sociedade indo-européia.
Compara a lenda escandinava do casamento de Skadhi, que teve a liber-
dade de escolher um esposo entre vários candidatos ocultos a seus olhos,
e que indicou, por erro, um velho, com uma narrativa do Mabãbhãrata
(111, 123-125), segundo a qual a princesa Sukanya, casada por dever com
o velho asceta Cyavana, tendo recebido o privilégio de uma nova escolha
entre três candidatos indistinguíveis, Igualmente jovens e belos, encontra
entre eles aquele que foi primeiramente seu velho marido. Dumézil inte-
ressa-se sobretudo pelo fato de nas duas versões a certmônia da escolha
:J, ser maquinada por personagens divinos, que identifica aos patronos da
terceira função social, "aqui candidatos lamentavelmente repelidos, e no
outro caso candidato comicamente eleito". Levanta nesta ocasião a per-
gunta: "existirá talvez um antigo vinculo entre esta terceira função e
um tipo de casamento no qual a mulher escolhesse livremente o esposo?" "
Seria, sem dúvida, arriscado lembrar aqui esta outra seção do Mahãbhã-
- The Mahãbhãrata, trad. Protrap Chundra RoY. Calcutta 1883-1886, vol. 1.
- T. P. Ellis, Welsh Tribal Law and Custom in the Middle Ages, 2 vols., Oxford.
1926, voI. I, p. 393. - G. Duméz11, Nafssance d'archanges, op. cit., p. 179.
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