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entre si e de superpor aos laços naturais do parentesco os laços daí em
diante artificiais, porque libertados do acaso dos encontros ou da pro·
miscuidade da existência familiar, da aliança governada pela regra. A este
respeito o casamento serve de modelo a esta "conjugalidade" artificial
e temporária que se estabelece em certos colégios entre jovens do mesmo
sexo, fato que Balzac observou profundamente, mostrando que nunca
se superpõe aos laços de sangue, mas os substitui. "Coisa bizarra! Nunca,
em meu tempo, conheci irmãos que fossem parceiros. Se o homem vive
apenas pelos sentimentos, talvez julgue empobrecer sua existência mistu-
rando uma afeição nova a uma afeição natural".
Algumas teorias da exogamia, criticadas no inicio deste trabalho, en-
contram neste novo plano um valor e uma significação_ Se a exogamia
e a proibição do incesto possuem, conforme sugerimos, valor funcional
permanente e coextensivo a todos os grupos sociais, como as interpreta-
ções que lhe foram dadas pelos homens, por mais diferentes que possam
ser, não possuiriam todas uma sombra de verdade? Assim, as teorias de
McLennan, de Spencer e de Lubbock têm, pelo menos, um sentido simbó-
lico. Lembramo-nos que, quanto ao primeiro, a exogamia teria encántrado
origem em tribos que praticavam o infanticidio das filhas, sendo por
conseguinte obrigadas a procurar fora esposas para seus filhos. De maneira
análoga, Spencer sugeriu que a exogamia deve ter começado entre tribos
guerreiras, que raptavam mulheres nos grupos vizinhos. Lubbock apre-
sentou a hipótese da oposição primitiva entre duas formas de casa-
mento, o casamento endogâmico, no qual as esposas são consideradas
propriedade' comum dos homens do grupo e o casamento exogâmíco,
que equipara -as mulheres capturadas a uma espécie de propriedade indi-
vidual do vencedor, dando assim nascimento ao casamento individual
moderno __ É possivel discutir este detalhe concreto, mas a idéia funda-
mental é justa, isto é, a exogamia tem um valor menos negativo do que
positivo, afirma a existência social de outrem, e só proíbe o casamento
endógamo para introduzir e prescrever o casamento com um grupo dife-
rente da família biológica_ Certamente não é porque algum perigo bio-
lógico se ligue ao casamento consangüineo, mas porque do casamento
exógamo resulta um benefício social.
Assim, pois, a exogamia deve ser reconhecida como um elemento imo
portante - sem dúvida como, de muito, o elemento mais importante -
desse conjunto solene de manifestações que, contínua ou periodicamente,
asseguram a integração das unidades parciais no interior do grupo total,
e exigem a colaboração dos grupos estrangeiros. Tais são os banquetes,
as festas, as cerimônias de diversas espécies que formam a trama da
:.I, existência social. Mas a exogamia não é apenas uma manifestação incluída
no meio de muitas outras, pois as festas e as cerimônias são periódicas,
e a maior parte delas correspondem a funções limitadas_ A lei da exoga-
mia, ao contrário, é onipresente, atua de maneira permanente e contínua,
e, ainda mais, refere-se a valores - as mulheres - que são os valores
por excelência, tanto do ponto de vista biológico quanto do ponto de
vista social, e sem os quais a vida não é possível, ou pelo menos fica
- "A conjugalidade que nos ligava um ao outro e que exprimíamos chamando-nos
parceiros ... " (H. de Balzac, Louis Lambert, nas CEuvres Completes, edição da Pléiade,
Paris 1937, t. X, p. 366 e 382).
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