reduzida às piores formas de abjeção. Não é portanto exagerado dizer
que essa lei é o arquétipo de todas as outras manifestações com base
na reciprocidade, que fornece a regra fundamental e imutável mantene
dora da existência do grupo enquanto grupo. Entre os Maorl, conforme
nos relata Eldson Best, "as mocinhas de categoria aristocrática, e também
os rapazinhos de mesma classe, eram casados com membros de tribos
poderosas e Importantes, pertencentes mesmo, talvez, a grupos inteira·
mente estrangeiros, como meio de obter a assistência dessas tribos em
ocasião de guerras. Vemos ai uma aplicação deste provérbio dos antigos
tempos: He taura taonga e motu, he taura tangata e /core e motu (um
vinculo estabelecido por presentes pode ser quebrado, mas não um vinculo
humano). Dois grupos podem UIÚr·se mediante relações amistosas e trocar
presentes, embora disputem e combatam entre si mais tarde, mas o In-
tercasamepto liga-os de maneira permanente". Mais adiante cita este outro
provérbio: "He hono tangata e /core e motu, /capa he taura wa/ca, e motu:'
um laço é Industrutivel, mas o mesmo não acontece com o cabo de
embarcação, porque pode romper-se'" A filosofia c.>ntlda nestas frases é
tanto mais Significativa quanto os MaOrl não eram de modo algum in-
sensíveis às vantagens do casamento no interior do grupo. Se as duas
famillas brigam e se insultam, dizem, isto não será sério, mas apenas
uma questão de família, e a guerra estará evitada.'
A proibl~o' do Incesto é menos uma regra que prolbe casar-se com
a mãe, a irmã ou a filha do que uma regra que obriga a dar a outrem
a mãe, a Irmã 'pu a filha. J!: a regra do dom por excelência. J!: realmente
este aspecto, ,freqüentemente demasiado desconhecido, que permite com-
preender o caráter dela. Todos os erros de Interpretação da proibição do
Incesto derivam da tendência a ver no casamento um processo descontínuo,
que tira de si próprio, em cada caso Individual, seus limites e possibilidades.
Assim é que se procura em uma qualidade Intrlnseca da mãe, da
filha ou da Irmã as razões que podem Impedir o casamento com elas.
Quem assim procede é então infalivelmente arrastado a considerações
biológicas, porque somente de um ponto de vista biológico, e não certa-
mente de um ponto de vista social, é que a maternidade, a sororalidade
ou a fIlialidade - se assim é possivel dizer - são propriedades dos
Individuos considerados. Mas, do ponto de vista social, estas qualificações
não podem ser admitidas como definindo Indlviduos Isolados, e sim rela-
ções entre estes Individuos e todos os outros. A maternidade é uma relação
não somente de uma mulher com seus filhos, mas desta mulher com
. todos os outros membros do grupo, para os quais não é mãe, mas irmã,
~'esposa, prima ou simplesmente estranha no que respeita ao parentesco.
O mesmo se dá com todas as relações fanúliares, que se definem, simul-
taneamente, pelos Individuos que englobam e tlYIlbém por aqueles que
excluem. Isto é tão verdadeiro que os observadores muitas vezes se im-
pressionaram com a impossibilidade que os Indígenas demonstram de
conceber uma relação neutra, ou mais exatamente a ausência de relação.
Temos o sentimento - aliás Ilusório - que a ausência de parentesco
3. Elsdon Best, The Whare Kohanga (the "Nest House") and lts Lore. Dominfon
Museum Bulletin, Wellington 1929, p. 24 e 36.
4. Best, The MaOTi, Welllngton 1924, vol. 1, p. 447.
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