obrigação ritual que o recebedor tem de aceitar e de retribuir, encontra-
se na outra extremidade do continente americano, entre os Yaghan. 1 ~
O problema levantado por Turner no texto acima citado, referente
a uma cultura altamente desenvolvida, tem como correspondente uma
observação de Radcliffe-Brown sobre as trocas de presentes em um povo
que se encontra em um dos níveis mais primitivos conhecidos, os ha-
bitantes das ilhas Andaman. "A finalidade é priocipalmente moral, tendo
por objetivo proquzir um sentimento amistoso entre as duas pessoas
em questão ... "" A melhor prova do caráter supra-econômico dessas tro-
cas é que no potlatch não se hesita em destruir às vezes valores con-
sideráveis, quebrando ou jogando no mar um "cobre", e que maior pres-
tígio resulta da aniquilação da riqueza que de sua distribuição, apesar
de liberal, mas que supõe sempre uma retribuição. O caráter econômico
subsiste entretanto, embora seja sempre limitado e qualificado pelos ou-
tros aspectos da instituição. "Não é a simples posse das riquezas que
confere o prestígio, mas antes a distribuição delas... O individuo só
amontoa riquezas para se elevar na hierarquia social", Com efeito, "a
idéia de dom gratuito é completamente estranha à cultura de Maleku-
la ... um dom, é no máximo uma aventura, uma especulação e uma ex-
periência de retribuição". Contudo, "mesmo quando se trocam porcos
por porcos ou alimento por alimento, as transações não perdem todo
alcance econômico, pOis impelem ao trabalho e estimulam a necessidade
de cooperação a que deram nascimento"."
Mas não é somente na sociedade primitiva que parece reinar a idéia
de haver uma vantagem misteriosa na obtenção das comodidades - ou
pelo menos de algumas delas - por via de donativos reciprocos, e não
pela via da produção ou da aquisição individuais. Os indios do Alasca
distinguem os objetos de consumo ou provisões. que não saem do círculo
da produção e do consumo famíliar, das riquezas, que formam a pro-
priedade por excelência, e que os KawakiutI chamam "the rich food".
Este compreende cobertas decoradas com brazões, colheres de chifre, ti-
gelas e outros recipientes cerimoniais, roupas de solenidades, etc., todos
Objetos esses cujo valor simbólico excede infinitamente o do trabalho
ou da matéria-prima, e que são os únicos a poder entrar nos ciclos ri~
tuais das trocas tribais ou intertribais. Mas esta distinção está sempre
em vigor na sociedade moderna. Sabemos que existem certos tipos de
objetos especialmente próprios, na maioria das vezes pelo caráter não
utilitário, para serem dados como presentes. Em alguns países ibéricos,
estes Objetos só podem ser encontrados, com todo seu luxo e diversidade,
em lojas instaladas em função desse destino privilegiado, as "casas de
regalias" ou "casas de presentes", a que correspondem as "gift shops"
do mundo anglo-saxão. Ora, não é preciso dizer que os presentes, assim
como os convites, que são não exclusivamente, mas também distribui-
ções liberais de alimentos e bebidas, "se retribuem". Estamos, portanto,
também aqui em pleno domioio da reciprOCidade. Tudo se passa, em
nossa sociedade, como se certos bens, de valor de consumo não essencial,
- M. Gusinde, Die Feuerland Indianer, Viena 1937, p. 980s.
- Citado por Mauss, op. cit., p. 62.
- A. B. Deacon, Malekula.... p. 199 e 202.
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