procidade, que se acha presente nos dois casos, é somente inorgânica
no primeiro, ao passo que é organizada no segundo. Como a exogamia,
a proibição do incesto é uma regra de reciprocidade, porque não re-
nuncio à mlnba filha ou à minha irmã senão com a condição que meu
vizinho também renuncie. A violenta reação da comunidade em face do
incesto é a reação de uma comunidade lesada. A troca pOde não ser
- diferentemente da exogamia - nem explícita nem Imediata. Mas o
fato de que posso obter uma mulher é em última análise conseqüência
do fato de um irmão ou um pai terem renunciado a ela. Apenas, a re-
gra não diz em proveito de quem é feita a renúncia. O beneficiário, ou
em todo caso a classe beneficiária, é ao contrário delimitada no casO
da exogamia. A única diferença consiste portanto em que na exogamia
exprime·se a crença de que é preciso definir as classes para que se pos-
sa estabelecer uma relação entre as classes, enquanto na proibição do
incesto basta a relação unicamente para definir, em cada instante da
vida social, uma multiplicidade complexa e continuamente renovada de
termos direta ou indiretamente solidários. Esta transformação levanta um
problema que teremos de resolver. Iremos resolvê-lo mostrando que a
exogamia e a proibição do incesto devem ser ambas interpretadas em
função do modelo mais simples, fornecido pelo casamento entre primos
cruzados. Mas, qualquer que deva ser a solução proposta, vê-se que a
proibição do incesto não difere da exogamia e das trocas de obrigações
de outra ordem.
A segunda objeção toca um ponto igualmente essencial, porque se
trata de escolher entre duas interpretações 'possíveis do termo "arcai-
co". A sobrevivência de um costume ou de uma crença pode, com efeito,
explicar-se de duas maneiras: ou o costume e a crença constituem um
vestígio sem outra significação a não ser a de um resíduo histórico pou-
pado pelo acaso, ou por motivo de causas extrínsecas; ou então sobre-
viveu porque continua, ao longo dos séculos, a desempenhar um papel, e
este não difere essencialmente daquele pelo qual é possível explicar seu
aparecimento inicial. Uma instituição pode ser arcaica porque perdeu a
razão de ser, ou, ao contrário, porque esta razão de ser é tão funda-
mentaI que a transformação de seus meios de ação nem foi possível
nem necessária.
Tal é o caso da troca. Seu papel na sociedade primitiva é essencial,
porque engloba ao mesmo tempo certos objetos materiais, valores so-
ciais e as mulheres. Mas, enquanto com relação às mercadorias este
papel diminuiu progressivamente de importãncia em favor de outros mo-
dos de aquisição, no que se refere às mulheres, ao contrário, conservoU
sua função fundamental, de um lado, porque as mulheres constituem
o bem por excelência, e justificamos no capítulo lU o lugar excepcio-
nal que ocupam no sistema primitivo dos valores, mas sobretudo por-
que as mulheres não são primeiramente um sinal de valor social, mas
um estimulante natural. São o estimulante do único instinto cuja satis-
fação pode ser variada, o único, por conseguinte, para o qual, no ato
da troca, e pela apercepção da reciprocidade, possa operar·se a transfor·
mação do estimulante em sinal, e, ao definir por meio dessa medida fun·
damental a passagem da natureza à cultura, florescer em uma instituição.
A inclusão das mulheres no número das obrigações recíprocas de
grupo a grupo e de tribo a tribo é um costume tão geral que não bas·
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