taria um volume inteiro para enumerar os exemplos. Observemos antes
de tudo que o casamento por toda parte é considerado como uma oca·
sião particularmente favorável para a abertura ou o desenvolvimento de
um ciclo de trocas. Os "presentes de casamento" de nossa sociedade
incluem·se evidentemente no grupo de fenômenos que estudamos ante·
riormente.
No Alasca e na Colúmbia Britânica o casamento de uma moça é
necessariamente acompanhado por um potlatch, a tal ponto que os aris·
tocratas Comox organizam falsas cerimônias de casamento, onde aliás não
há noiva, com a única finalidade de adquirir privilégiOS durante os ri·
tos de troca." Mas a relação que existe entre o casamento e os pre·
sentes não é arbitrária. O próprio casamento faz parte das obrigações
que o acompanham, sendo somente o motivo central (figura 3). Ainda
há pouco tempo em nossa sociedade era uso "pedir" uma moça em
casamento, e o pai da noiva "dava" sua filha em casamento. Em inglês
continua-se a dizer "to give up the bride". Diz·se também da mulher
que arranja um amante que "ela se dá". O termo "gift" nas linguas gero
mânicas possui sempre o duplo sentido de "presente" e de "noivado".
Igualmente, em árabe, sadaqa significa ao mesmo tempo a esmola, o pre·
ço da noiva, a justiça e o imposto. Sem dúvida, neste último caso, a
assimilação pode explicar·se pelo uso do comprar as esposas. Mas oca·
sarnento por compra é uma instituição especial somente na forma, pois
na realidade é uma modalidade do sistema fundamental analisado por
Mauss, segundo o qual, na sociedade primitiva e, parcialmente ainda,
na nossa, os direitos, os bens, e as pessoas circulam no interior do
grupo de acordo com um mecanismo contínuo de obrigações num e nou-
tro sentido. Mesmo depois do casamento, Malinowski mostrou que nas
ilhas Trobriand o pagamento de mapula representa, por parte do ho-
mem, uma obrigação devolvida destinada a compensar os serviços for-
necidos pela mulher em forma de satisfações sexuais. Esta parece ser
ainda a função do anel do noivado em nossa sociedade, pOis o uso é
deixá·lo com a mulher em caso de divórcio e não incluí-lo na partilha da
comunidade.
Menos importante ainda que as realizadas por ocasião dos funerais,
as trocas matrimoniais ilustradas pela figura 3 merecem reter a atenção
por sua surpreendente complexidade. Esta exprime·se ao mesmo tempo
no núnlero de obrigações e no dos vínculos sociais que implicam. Na
verdade o casamento põe em questão cinco tipos diferentes de relações
familiares e sociais. A direita da linhagem do marido reconhece·se, em
primeiro lugar, a linhagem da mulher, e mais longe a linhagem do tio
materno da mulher. O fato de ser distinta da precedente indica que a
filiação é patrilinear, como acontece efetivamente no caso de Tikopia,
de onde este exemplo foi tomado." A esquerda da linhagem do marido,
o grupo dos "cozinheiros" (ou antes, daqueles que são convidados a
desempenhar este papel na presente circunstância particular) subdivide·
se igualmente, primeiramente em aliados pelo casamento com mulheres
da linhagem do marido, e em seguida em aliados pelo casamento com
mulheres aparentadas com esses próprios aliados. Por ocasião do casa·
- H. G. Barnett, The Coast Salish of Canada. American Anthropologist, vaI. 40,
1938, p. 133. - Raymond Firth, We, the Tikopia, Nova Iorque 1936, capo XV.
103