Luiz Henrique Mandeta - Um Paciente Chamado Brasil

(Antfer) #1

O Brasil então registrava mais de trezentas mortes e cerca de 8 mil
infectados. Já havia a recomendação do uso de máscaras, e o Ministério da
Saúde publicou uma portaria convocando cerca de quinze categorias da área
da saúde (enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas etc.) para realizar uma
capacitação, em caráter emergencial, para atuar no SUS, no combate ao novo
coronavírus.
Além da pressão normal de gerir um ministério em meio à maior crise
sanitária desde a década de 1910, eu sofria cada vez mais com o fogo amigo
vindo do presidente, de seus filhos e entorno. Considero-me uma pessoa
resiliente, mas um dia passei a mão no telefone e liguei para o meu pai.
Precisava desabafar. Disse a ele que não estava aguentando mais aquela
situação, que era impossível trabalhar daquele jeito, sendo permanentemente
boicotado, e que cogitava sair do governo. Meu pai, Hélio Mandetta, é
médico também, tem 89 anos, e foi muito direto. Entendia perfeitamente
minha agonia, mas decretou: “Não saia. Um médico nunca abandona seu
paciente, meu filho. O Brasil é seu paciente. Vá até o fim”.
Respirei fundo e acatei: seguiria em frente.
Em 3 de abril, eram fortes as especulações sobre a minha saída. No dia
anterior, Bolsonaro havia declarado que eu precisava “ter mais humildade” e
que não andávamos nos “bicando”. “Foco na doença, vida que segue” foi a
minha resposta, e segui para a coletiva de imprensa. Previ que teríamos
semanas duríssimas pela frente, e continuei me contrapondo aos
questionamentos do presidente. Na coletiva, ressaltei que eu era mais um
médico a serviço do Brasil — e da conversa com o meu pai tirei a frase que
estamparia as manchetes de vários jornais: “O compromisso do médico é com
o paciente. E o paciente agora é o Brasil”.
A sentença “Médico não abandona paciente” me acompanharia até o final.

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