38 Le Monde Diplomatique Brasil^ OUTUBRO 2020
NOVAS NARRATIVAS DA WEB
Sites e projetos que merecem seu tempo
EVOLUÇÃO DA TERRA
Onde estava localizada sua cidade no planeta
Terra há 200 milhões de anos, quando África
e América ainda eram um só continente? Nes-
se site interativo você digita o nome de seu
município e escolhe o período em que quer
voltar no tempo. Ou simplesmente vai obser-
vando como os continentes atuais se forma-
ram e quais animais existiam no globo nesse
período. Ótimo para crianças aprenderem so-
bre movimentos tectônicos terrestres. E quem
sabe uma demonstração visual para conversar
com terraplanistas...
dinosaurpictures.org/ancient-earth#0
RURALÔMETRO
Um termômetro feito pela equipe de reporta-
gem da ONG Repórter Brasil mede como cada
deputado federal atuou em leis importantes
para o meio ambiente, indígenas e trabalhado-
res rurais. Quanto pior o impacto dos projetos
que o parlamentar votou ou propôs, mais alta
é sua temperatura. A “febre ruralista” indica
comportamento negativo nessas áreas. Além
da temperatura, os filtros permitem descobrir
quais deputados têm multa no Ibama, violaram
a lei trabalhista e deixaram de recolher o INSS.
Os filtros revelam ainda quais receberam finan-
ciamento de empresas autuadas por infrações
ambientais ou flagradas por trabalho escravo.
Alguns deputados foram à justiça para impedir
que seu nome estivesse no Ruralômetro, veja
só. Todos os dados usados pela Repórter Bra-
sil são públicos.
ruralometro.reporterbrasil.org.br
VEIAS DA CIDADE
Sensores baratos, embutidos nos carros, fa-
zem parte de uma experiência do MIT para
monitorar o meio ambiente nas cidades. O
Senseable City Lab criou o projeto City Veins,
que analisa a qualidade do ar, por exemplo,
com base em automóveis que circulam pelas
ruas. A proposta é organizar de várias formas
uma rede de sensores de baixo custo que pos-
sam ser espalhados em larga escala pelas ci-
dades, gerando dados abertos e colaborativos,
com custos muito menores do que um sistema
centralizado teria, seja de desenvolvimento ou
manutenção. No site, é possível ver uma ani-
mação dos dados gerados em algumas cida-
des, como Amsterdã, Curitiba e Nova York.
senseable.mit.edu/city-veins/
[Andre Deak] Sócio do Liquid Media Lab,
professor de Jornalismo e Cinema da ESPM,
mestre em Teoria da Comunicação pela ECA-
-USP e doutorando em Design na FAU-USP.
livros internet
O
s ataques nucleares a Hiroshima e a Na-
gasaki, acontecimentos únicos até hoje na
história, já foram registrados e contados tantas
vezes e, ainda assim, não parecem existir nar-
rativas ou retratos suficientes que deem conta
de sua violência. Jean-Paul Alègre, dramaturgo
francês publicado pela primeira vez no Brasil
pela Temporal Editora, decidiu somar aos de-
mais seu olhar sobre o acontecimento, mas o
fez por um caminho pouco usual. Após uma vi-
sita a Hiroshima, em 2012, Alègre encantou-se
com as paisagens que encontrou lá, em espe-
cial com o rio que corta a cidade, o Otagawa. De
volta à França, trabalhou em uma peça cujos te-
mas seriam a produção da bomba nuclear, bem
como as particularidades de vidas que foram
interrompidas com o bombardeio, e escolheu
fazer isso colocando o rio, chamado apenas de
“Ota”, como personagem central.
A centralidade de Ota está justamente em seu
ponto de conexão entre as tramas desenhadas.
P
ara além da biopolítica, no livro a pandemia
é captada de modo a demonstrar a urgência
de uma filosofia que enfrente as narrativas vin-
culadas ao fundamento bioárztquico de nossas
sociedades, em que se escancaram as portas
do fascismo biotecnológico. A bioarztquia, se-
gundo os autores, é aquele poder microfísico
que controla vida e morte por meio da razão
médico-farmacêutica neoliberal.
Entre inúmeros textos que abordam a pan-
demia hoje, os autores são originais porque
desenvolvem um pensamento crítico que não
se limita a compreender esse evento apenas
enquanto crise sanitário-econômica alheia às
políticas e epistemologias que se sustentam na
produção de cadáveres. Assim, confrontam as
MISCELÂNEA
EU, OTA,
RIO DE HIROSHIMA
Jean-Paul Alègre,
Temporal Editora
O VÍRUS COMO
FILOSOFIA/A
FILOSOFIA
COMO VÍRUS:
REFLEXÕES DE
EMERGÊNCIA
SOBRE A COVID-19
Andityas Soares de Moura
Costa Matos e Francis
García Collado,
GLAC Edições
As cenas se alternam entre o núcleo político
norte-americano, que começa a construção da
bomba após uma carta enviada por Albert Eins-
tein divulgando a possibilidade, e o núcleo japo-
nês, focado em especial na troca de cartas entre
dois irmãos: ela, em Hiroshima; ele, em Tóquio.
Entre esses dois grupos está Ota, personifica-
do. Numa estrutura dramática que aproxima as
tragédias clássicas do teatro moderno, o rio tem
papel ora de coro, ora de narrador: comenta os
acontecimentos da cena anterior e nos prepara
para as cenas que virão. Mas sua função dramá-
tica não é apenas conexão. Ota vive a vida da ci-
dade, conhece seus moradores e, por isso, sabe
que é alvo. Ainda assim, reconhece-se eterno,
mesmo diante do colapso. Suas águas sempre
seguem para o mar.
Em dado momento, a vida dos irmãos e do
rio é unida à explosão nuclear calculada com
desconcertante frieza. E já não há muito mais o
que contar, senão os relatos daqueles que, por
estarem longe do marco zero, sobreviveram,
ainda que vítimas de amputações ou radioati-
vidade. No final, a peça atinge seu ápice dra-
mático e os atores dão voz às vítimas, criando
testemunhos em retalhos que apontam para a
violência desmedida que ainda deve ser muito
contada – e encenada.
[Raquel Toledo] Professora, pesquisadora
e produtora de conteúdo sobre literatura.
leituras filosóficas da pandemia de pensadores
como Agamben, Butler e Preciado, demonstran-
do que as transformações causadas pelo vírus
Sars-CoV-2 deslocam as estruturas tradicionais,
apontando para a necessidade de experimentar
filosofias que não são emolduráveis em leituras
que abandonaram a arte de viver em nome de
imperativos médico-políticos assentados em
modelos matemáticos e epidemiológicos a ser-
viço do mercado.
Isso não significa que a morte não seja um
fato objetivo, mas que a atual pandemia está
produzindo subjetividades que, seja no modelo
europeu (soberano), asiático (algorítmico) ou
latino-americano (necropolítico), se comprome-
tem com o abandono da vida em nome da mera
existência (re)produtiva.
Ao retomarem a afirmação de Spinoza se-
gundo a qual ainda não sabemos o que pode
um corpo, Matos e Collado devolvem ao centro
do debate filosófico o que foi retirado do uso
comum humano e se perguntam como realizar
uma filosofia da vida em vez de uma filosofia
sobre a vida.
[Joyce Karine de Sá Souza]
Doutora em Direito & Justiça pela UFMG
e professora universitária.
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