Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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24 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020


UMA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA MAL CONDUZIDA


Último país da União Europeia a se opor ao objetivo de uma neutralidade de carbono
em 2050, a Polônia continua dependente do carvão, que fornece mais de 80% de sua
eletricidade. A posição explica-se mais pela estruturação da economia e pelas reformas
feitas desde 1989 do que por uma preocupação popular menos forte do que em outros
lugares a respeito das mudanças climáticas

POR AGATHE OSINSKI E MATTHIAS PETEL*

A Polônia apega-se


ao seu carvão


E


m 2018, a Polônia extraiu 63,4
milhões de toneladas de carvão
(fora o linhito), ou seja, 86% da
produção total da União Euro-
peia. Embora, desde 2012, esse núme-
ro tenha caído 20%, a redução parece
fraca em comparação à da Alemanha
durante o mesmo período: 76%, ape-
sar de possuir reservas mais significa-
tivas.^1 Todavia, esse rico vizinho pos-
sui os meios de importar a energia da
qual precisa e continua sendo o prin-
cipal consumidor de produtos deriva-
dos de carvão, com 35% do total euro-
peu em 2019, contra 23% da Polônia.
Já vistos como retrógrados em ra-
zão de seu apego a um clero católico
muito conservador, os poloneses se-
riam também indiferentes às mu-
danças climáticas? Alguns estudos
de opinião mostram que eles figuram

de fato entre os cidadãos menos preo-
cupados com esse assunto no seio da
União Europeia, mas outras pesqui-
sas, bem como as marchas pelo clima
organizadas no outono de 2019 em
Varsóvia, sugerem que essa percep-
ção está evoluindo. Em 2018, pouco
antes da COP-24, que ocorreu em Ka-
towice, quase um terço das pessoas
interrogadas considerava que as mu-
danças climáticas representavam
uma das maiores ameaças para a ci-
vilização contemporânea, contra
18% em 2014 e apenas 15% em 2009.
Segundo um estudo do Banco Euro-
peu de Investimento, também reali-
zado em 2018, 75% dos poloneses re-
conheciam os perigos das mudanças
climáticas, contra 78% dos europeus
em média. “O discurso evoluiu de
maneira significativa”, confirma Ka-

mila Proninska, professora da Uni-
versidade de Varsóvia e especialista
em segurança energética. “Aqueles
que negam o problema são cada vez
menos numerosos, e o assunto apa-
rece enfim na mídia.”
Na Polônia, a transição do comu-
nismo soviético para o capitalismo,
“um processo difícil e traumático do
ponto de vista sociológico”, segundo
as palavras de Pawel Ruszkowski,
professor de Sociologia do Collegium
Civitas, de Varsóvia, deixou marcas
profundas. Essa ruptura extrema-
mente brutal polarizou o país entre
vencedores e perdedores da entrada
na globalização. Uma parte da popu-
lação salvou a própria pele e encon-
trou empregos remunerados no setor
privado. Essa nova classe gerencial,
bastante urbana, adotou valores libe-
rais. De modo inverso, uma periferia
rural, apegada ao catolicismo, preco-
niza a defesa das tradições contra o
modelo ocidental.

“RESISTÊNCIA” CONTRA BRUXELAS
Longe da dicotomia direita-esquerda
habitual na Europa ocidental, a pai-
sagem política polonesa opõe uma
direita conservadora (o Partido Di-
reito e Justiça, PiS), que se apoia em
um discurso nacionalista e em um
programa socioambiental – em espe-
cial locações familiares generosas –,
a uma direita liberal (Plataforma Cí-
vica, PO) pró-europeia e glorificado-
ra do livre-comércio. No poder desde
2015, o PiS foi o primeiro partido po-
lítico a propor uma redistribuição do
crescimento gerado desde o “trata-
mento de choque” administrado a
partir de 1989,^2 ao mesmo tempo jo-
gando com o elo patriótico diante de
uma população marcada por séculos
de dominação estrangeira.^3 Já as for-
ças progressistas têm dificuldade pa-
ra existir, na medida em que aquelas
levadas ao poder nos anos 1990 foram
moldadas no neoliberalismo.
A Polônia periférica mantém a re-
sistência e sustenta maciçamente o

partido conservador no poder, que se
posiciona como uma barreira às polí-
ticas europeias, apresentadas como
uma nova tentativa de submeter o po-
vo polonês a uma dominação estran-
geira – em particular a alemã. Desde
então, as medidas climáticas são con-
sideradas por alguns como uma inge-
rência externa que poderia prejudicar
o desenvolvimento econômico. Com
a recusa do objetivo de neutralidade
de carbono em 2050, o poder envia
acima de tudo um sinal forte à sua ba-
se eleitoral. A mensagem é clara: “Não
cederemos a Bruxelas”. Mas se trata
na verdade de um truque de comuni-
cação, pois as diretrizes europeias
continuam sendo aplicadas.
Ao longo dos cinco primeiros anos
que se seguiram à queda do comu-
nismo, três quartos das 8 mil empre-
sas públicas foram privatizadas,
principalmente em proveito de acio-
nistas estrangeiros, dada a falta de
capital nacional. O setor da energia
foi excluído do processo por razões
estratégicas. Após sucessivas fusões,
quatro empresas estatais abastecem
atualmente o país: Polska Grupa
Energetyczna (PGE), Enea, Energa e
Tauron, cujos diretores são designa-
dos pelo ministro da Indústria. Du-
rante cada mudança de maioria, es-
ses dirigentes se reciclam no setor
privado e são substituídos por pes-
soas próximas ao novo partido eleito


  • o PiS, nesse quesito, apenas imitou
    seus predecessores.
    Contando os empregados das
    quatro empresas estatais, fornecedo-
    res de empresas mineradoras e os mi-
    neradores propriamente ditos, esse
    ramo de atividade emprega em mé-
    dia meio milhão de pessoas em um
    país que contabiliza 18 milhões de
    ativos (de 38 milhões de habitantes)^4
    em 2019. Assim, embora os mineiros
    sejam apenas 80 mil, o total de profis-
    sões ligadas a essa atividade constitui
    um curral eleitoral. A significativa ta-
    xa de sindicalização reforça seu peso:
    ao passo que na média geral esta fica
    estagnada em 15%, no setor de ener-
    gia ela é claramente mais elevada,
    chegando a 100% em algumas mi-
    nas.^5 Além disso, os mineiros desfru-
    tam de um capital simbólico conside-
    rável: “Eles eram heróis na Bélgica e
    na Alemanha, no Vale do Ruhr. É uma
    história que continua na Polônia. Os
    mineiros recebem o dobro do salário
    médio, e seu lugar na sociedade con-
    tinua prestigioso”, explica Bela Gal-
    goczi, pesquisador do Instituto Euro-
    peu de Sindicatos.
    Todos esses elementos explicam
    a capacidade do setor de bloquear ou
    frear uma transição para um resul-
    tado incerto. No entanto, a explora-
    ção do carvão não arruína apenas o
    meio ambiente, mas também a eco-
    nomia. Entre 2016 e 2018, mais de 4


© Greenpeace Polônia

Protesto pede providências em relação às mudanças climáticas

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