- EXAME. DEZEMBRO 2020
“A tendência
de maior liberdade
e flexibilidade
pode permitir que
a função seja feita
remotamente a
partir de Portugal
para outras
geografias”
Pedro Borges Caroço
Senior Executive Manager da Michael Page
de euros para apoiar a transição digital nas empresas,
nomeadamente para reforçar as competências digitais
dos trabalhadores, transformar os modelos de negócio
e potenciar a integração de tecnologia. Antes disso, o
Programa de Estabilização Económica e Social, lançado
pelo Governo, já previa a formação profissional de novos
desempregados e medidas para a capacitação digital de
desempregados e de jovens até aos 35 anos. O setor do
turismo, um dos mais afetados, vai exigir esforços de
reconversão, requalificação e apoios à criação de novos
postos de trabalho, segundo o IEFP. O instituto público
aponta ainda a necessidade de os trabalhadores desen-
volverem power skills (combinação de soft skills, com
thinking e digital skills) para poderem ser incluídos na
transformação digital.
As exigências atuais também já podem dar algumas
pistas sobre o futuro. Em quatro das maiores economias
da Europa Ocidental, as cinco skills que as empresas
identificaram como emergentes (segundo o mesmo re-
latório do Fórum Económico Mundial conhecido em
outubro) prendem-se com o pensamento analítico e
a inovação, a aprendizagem ativa, a resolução de pro-
blemas complexos, o pensamento crítico e a análise, e
a criatividade, originalidade e iniciativa. Nos mesmos
países (Espanha, França, Itália e Alemanha), os perfis
dados como os mais procurados dentro das empresas
apontavam para funções como analistas de da-
dos, especialistas em Internet das Coisas e em
big data. Em sentido contrário, consideram-se
redundantes, dentro das organizações, funções
relacionadas com a introdução de dados ou a
atualização de bases, trabalhos administrativos
e de secretariado e contabilidade.
A crise pandémica aumentou a necessidade
que já existia de requalificação e de formação.
Mas, “hoje, além de ser uma arma fundamen-
tal para resolver este desencontro de compe-
tências, a formação é também uma das solu-
ções para gerar novas oportunidades para os
profissionais que sofreram o impacto da crise
de emprego decorrente da pandemia”, afirma
Rui Teixeira. O responsável do ManpowerGroup
sublinha a importância do investimento nas compe-
tências digitais, mas realça que “esta aposta deverá
ser feita também nas áreas técnicas” e exemplifica
com a escassez de talento em funções especializadas
como eletricistas, condutores, mecânicos e funções
técnicas, nomeadamente o controlo de qualidade.
Também as profissões menos especializadas
continuarão a ter lugar no mercado de trabalho,
mas permanecerá a grande dúvida quanto ao volu-
me de mão de obra que será absorvida. “Se, depois da
pandemia, conseguirmos resolver a perspetiva econó-
mica posterior que poderá ser muito grave, então
voltará a haver espaço numa perspetiva
transversal”, refere Pedro Borges Caroço. O responsável
da Michael Page defende que “os indiferenciados con-
tinuarão a ter lugar”, mas ressalva que, “se a atividade
comercial testar que pode ser feita de forma diferente,
com menos contacto, podemos ter necessidade de me-
nos pessoas afetas a essas funções”, em particular nas
relações entre empresas. “O digital vem ocupar parte
das atividades que estavam a ser feitas agora.”
ALERTA PARA A DESIGUALDADE
Todos estes fatores também acentuam o risco de estar
a desenhar-se uma economia mais desigual. E isso já
ficou demonstrado nos últimos meses. O Banco de Por-
tugal tem observado que, durante o confinamento, “a
incidência do teletrabalho foi muito mais elevada nos
indivíduos com maior escolaridade e maior remune-
ração do trabalho”. No boletim económico de outubro,
os economistas da instituição observavam que “a possi-
bilidade de se trabalhar remotamente contribuiu para
minimizar perdas de emprego” e alertavam que “esta
evidência, em conjunto com o facto de as profissões
com menores qualificações e consequentemente me-
nores rendimentos serem menos propensas ao trabalho
remoto, sugere que a crise pandémica poderá acentuar
a desigualdade”.
Pessoas com fortes competências digitais terão
maior probabilidade de encontrarem ofertas
de trabalho mais atrativas e com condições
mais vantajosas, e sem estarem circunscritas
ao mercado português. No limite, e para as
profissões cujo trabalho o permita, será pos-
sível “emigrar” sem sair de casa. “A tendên-
cia de maior liberdade e flexibilidade pode
trazer oportunidades até ao nível interna-
cional, em que a mobilidade provavelmen-
te não obriga a mudar-se geograficamente.
Pode permitir que a função seja feita remo-
tamente, a partir de Portugal para outras
geografias”, sintetiza Pedro Borges Caroço
que já hoje tem clientes a procurar, pontual-
mente, soluções deste género em Portugal.
Tudo somado, parece garantido que as
oportunidades de trabalho vão continuar a existir. Mas
não será tarefa fácil fechar o desencontro entre o que
as empresas querem e o perfil da mão de obra dis-
ponível. Esse será o grande desafio para, quando a
economia retomar, se conseguir absorver no mer-
cado uma parte significativa dos 400 mil desempre-
gados, que o País registava no final de setembro, e
encontrar uma solução para os empregos que ainda
poderão ser extintos nos setores mais vulneráveis à
crise pandémica e à revolução digital. Oferecer a cana
já há muito que não é solução para criar e manter em-
pregos. Mas, nunca como agora, foi tão essencial
(re) ensinar a pescar. E