16 Le Monde Diplomatique Brasil^ DEZEMBRO 2020
Essa também é a abordagem da
Force Femmes. A associação, criada
em 2005 em torno das mesmas figu-
ras que o WF, hoje é presidida por An-
ne Méaux e por Véronique Morali.
Com o apoio financeiro de grandes
empresas, os voluntários da associa-
ção ajudam mulheres desempregadas
de 45 anos ou mais a encontrar um
emprego ou a abrir sua própria em-
presa. “As burguesas muitas vezes se
valeram de sua posição dominante
para ajudar outras mulheres”, analisa
Françoise Picq. “Entre a filantropia e
certo tipo de ativismo feminista, a li-
nha geralmente é tênue.” De maneira
mais direta, Marion Rabier, professo-
ra de Ciência Política da Universidade
de Mulhouse, afirma: “Eu não acredi-
to que a feminização das esferas do-
minantes seja mecanicamente uma
alavanca para a igualdade profissio-
nal”. Para ilustrar esse ponto, ela con-
ta sobre uma frequentadora do WF,
que conheceu no decorrer de seu tra-
balho, a qual se queixava de suas duas
secretárias, então em licença-mater-
nidade, confidenciando-lhe a inten-
ção de futuramente contratar funcio-
nárias mais velhas...
As preferências ideológicas dessas
mulheres as levam a apoiar reformas
que prejudicam a grande maioria de
suas semelhantes. Em setembro de
2017, antes da assinatura dos decre-
tos de reforma da legislação traba-
lhista, elogiados por Laurence Pari-
sot, ex-presidente do Movimento das
Empresas de França (Medef ), cerca
de sessenta personalidades e organi-
zações feministas alertaram contra
medidas que iriam “aumentar as de-
sigualdades profissionais”.^9 Elas fica-
ram particularmente preocupadas
com o desaparecimento dos comitês
de higiene, segurança e condições de
trabalho (CHSCT), que se fundiram
com outros dois órgãos nos novos co-
mitês sociais e econômicos (CSE).
“Quando começamos a ver agitações
relativas à violência contra a mulher
no trabalho, abolimos o CHSCT”, co-
menta Marilyn Baldeck.
Há anos, proliferam greves de ca-
mareiras terceirizadas de hotéis. No
verão de 2019, quando se iniciou uma
mobilização no hotel Ibis Batignolles,
em Paris, Marlène Schiappa anun-
ciou que examinaria a situação.
Sébastien Bazin, presidente do grupo
Accor, do qual o hotel faz parte, fora
um dos ilustres convidados do WF de
- Em setembro de 2019, Marlène
Schiappa esteve no piquete do Ibis
Batignolles. “Ela deixou claro que não
poderia interferir nas decisões econô-
micas da empresa, portanto na tercei-
rização”, conta uma sindicalista que
estava ao lado das camareiras.^10 A ex-
-secretária de Estado afirma ter
apoiado o “princípio” do projeto de lei
do deputado François Ruffin (França
ram], Les Invités de Mediapart, 6 set. 2017.
Disponível em: https://blogs.mediapart.fr.
10 Timothée de Rauglaudre, “Journées infernales
d’une femme de chambre” [As jornadas infer-
nais de uma camareira], Alternatives Écono-
miques, n.396, Paris, 27 nov. 2019.
Insubmissa) voltado a “regulamentar
a terceirização” no setor da limpeza,
que depois foi retirado. Na verdade, se
o deputado de esquerda acabou deci-
dindo por retirar o texto no final de
maio de 2020, foi porque o considerou
“esvaziado de seu conteúdo” pela
maioria parlamentar.
DA HEWLETT-PACKARD
AO MINISTÉRIO
Em julho de 2020, Marlène Schiappa
cedeu seu lugar a Élisabeth Moreno,
ministra delegada da Igualdade entre
Mulheres e Homens. A ex-presidente
da Lenovo França, então Hewlett-
-Packard África, é uma “amiga do Wo-
men’s Forum”, segundo Chiara Cora-
zza: “Vou tentar ajudá-la o máximo
que puder”. Ela também foi membro
do Club X XIe Siècle, participou da JFD
e da Women in Africa, plataforma fun-
dada em 2015 por Aude de Thuin. “Te-
nho muita esperança em Élisabeth
Moreno, que conheço bem”, confessa
a criadora do “Davos das Mulheres”.
Pouco depois de assumir seu car-
go, Élisabeth Moreno almoçou com as
associações feministas que sua ante-
cessora havia deixado um tanto aban-
donadas. Não é certo, porém, que uma
nova página esteja sendo escrita. Du-
rante o encontro, enquanto uma mili-
tante da Federação Nacional de Mu-
lheres Solidárias explicava que sua
associação havia coordenado uma re-
de de apoio e alojamento para vítimas
de violência, além de gerir uma linha
telefônica de emergência, a ministra
respondeu com muita naturalidade:
“Sim, é isso mesmo, estamos falando
de experiência do cliente”.
*Maïlys Khider e Timothée de Rauglau-
dre são jornalistas. Rauglaudre é também
autor de Premières de corvée [De baixo
para cima], LGM Éditions, Paris, 2019.
1 Sophie Pochic, “Féminisme de marché et éga-
lité élitiste? ” [Feminismo de mercado e igual-
dade elitista?]. In: Margaret Maruani (ed.), Je
travaille, donc je suis. Perspectives féministes
[Trabalho, logo existo. Perspectivas feminis-
tas], La Découverte, Paris, 2018.
2 Emmanuelle Gagliardi e Wally Montay, Guide
des clubs et réseaux au féminin [Guia de clu-
bes e redes sobre questão feminina], Le Cher-
che Midi, Paris, 2007.
3 Valérie Lion, “Entreprises: relever le pari des
réseaux féminins” [Mundo corporativo: refor-
çar a aposta das redes femininas], L’ E x p r e s s,
Paris, 18 jan. 2019.
4 Laurence Boisseau, “La France championne
du monde de la féminisation des conseils
d’administration” [França, campeã mundial na
feminização dos conselhos de administra-
ção], Les Échos, Paris, 7 mar. 2019.
5 Ibidem.
6 Marion Rabier, “Entrepreneuses de cause:
contribution à une sociologie des engage-
ments des dirigeants économiques en Fran-
ce” [Empreendedores de causa: contribuição
para uma sociologia dos compromissos dos
líderes econômicos na França], tese defendi-
da na École des Hautes Études en Sciences
Sociales (Ehess), Paris, 2013.
7 O ex-presidente da aliança Renault-Nissan é
suspeito de vários desvios financeiros.
8 “Quelles sont les conditions d’emploi des sala-
riés à temps partiel?” [Quais as condições de
emprego dos trabalhadores de tempo par-
cial?], Dares Analyzes, n.025, Paris, ago. 2020.
9 “Loi travail: les droits des femmes passent
(aussi) à la trappe” [Legislação trabalhista: os
direitos das mulheres (também) desaparece-
PROGRESSISTAS, MAS COM MODERAÇÃO...
A
fundadora do Women’s Forum for the Economy and Society (WF, Fórum de Mulhe-
res para a Economia e a Sociedade), Aude de Thuin, fez da promoção de mulheres
líderes corporativas sua causa pessoal e de sua vida um exemplo de sucesso. Em um
livro publicado em 2012, Femmes, si vous osiez [Mulheres, se vocês ousassem] (Ro-
bert Laffont), a mulher de negócios conta ter sido uma criança “com uma natureza
extravagante”. Verdadeira “moleca”, ela teria desesperado sua mãe, que gostaria de
vê-la no funcionalismo. Mas o empreendedorismo era “realmente a história de [sua]
vida! ”, escreve a mulher que procurou a psicanálise para curar as feridas causadas
pela falta de amor da mãe. Essa prática a fez concluir que “a autoconfiança é crucial
para vencer na vida”.
No início dos anos 2000, Aude de Thuin ganhou destaque pela criação de revistas
e feiras dedicadas à jardinagem e ao lazer criativo. Sua feira Création et Savoir-Faire
[Criação e Know-How], realizada na Porte de Versailles, em Paris, tinha uma “creche
para homens, com um bar muito chique, serviço de engraxamento de sapatos, alfaiate
e televisão exibindo jogos de futebol e rúgbi”. Na época, apesar de suas conquistas
- e de sua disposição para pagar um ingresso caro –, a empresária teve seu acesso
ao Fórum Econômico Mundial de Davos negado, segundo ela por ser mulher e dirigen-
te de uma pequena ou média empresa (PME): “Na época, Davos recebia apenas 4%
de mulheres”, conta. “Eu achava isso totalmente injusto.” Em 2003, o ex-diretor-geral
do fórum, Claude Smadja, ajudou-a a criar um novo fórum econômico mundial, dedica-
do às “mulheres influentes”. A primeira edição foi realizada em 2005. Encontrando
“palestrantes” de todo o mundo em suas frequentes viagens para Washington (sobre-
tudo para assistir às conferências da fundação de Hillary Clinton), ela cercou-se de
mulheres de alto escalão: no primeiro conselho do WF estavam mulheres como Anne
Lauvergeon, presidente do conselho executivo da Areva, Véronique Morali, então dire-
tora da Fimalac, a holding do bilionário Marc Ladreit de Lacharrière, ou ainda Laurence
Parisot, ex-presidente do Instituto Francês de Opinião Pública (Ifop) e do Movimento
das Empresas da França (Medef), o principal sindicato patronal francês.
“O fato de eu ser uma feminista pragmática foi muito útil para o Women’s Forum,
que, por isso, nunca foi acusado de ser vingativo ou radical”, congratula-se em seu li-
vro. Não se trata de aderir a uma visão igualitarista das relações entre os sexos: “A
complementaridade entre homens e mulheres [continua] essencial tanto na política
como no mundo econômico”. Preocupada em não fazer “sexismo às avessas”, Aude
reitera que, durante sua presidência, o fórum tinha 20% de oradores homens. Assim,
como as mulheres “não estão disputando nem competindo”, ela quer acreditar que
elas são “um grande fator de mudança para construir um mundo mais moral, mais res-
peitoso em relação ao outro”.
Embora a maioria das líderes do WF tenda para o campo liberal (como Mercedes
Erra, presidente da agência de publicidade BETC, que apoiou Emmanuel Macron em
2017 e se descreve como “social-liberal”), algumas são próximas da direita conserva-
dora. Em 2014, Aude passou seu lugar a Clara Gaymard, ex-presidente da General
Electric France, que teve um papel fundamental na operação de compra da Alstom pela
empresa norte-americana. Exibindo publicamente suas convicções religiosas, ela par-
ticipou da criação, em 1996, da Fundação Jérôme-Lejeune, que leva o nome de seu pai,
professor de medicina e ativista católico contra a interrupção voluntária da gravidez.
Uma das pioneiras do WF, Anne Méaux, atuou na extrema direita em sua juventu-
de, especialmente no Grupo de Defesa Sindical (GUD). Na época, ela conviveu com
Alain Madelin e Gérard Longuet, anticomunistas virulentos que alguns anos depois se
tornaram próximos do presidente Valéry Giscard d’Estaing. Léa Salamé entrevistou a
comunicadora para seu livro Femmes puissantes [Mulheres poderosas], que se origi-
nou de uma série de entrevistas com personalidades femininas, as “entrevistas mais
inspiradoras” que a radialista já realizou. Escolhida por sua “força interior” e sua “in-
fluência na sociedade”, Anne Méaux passa rápido por seu passado neofascista – mo-
destamente descrito como uma luta contra as “violações das liberdades e do totalita-
rismo”.^1 Reivindicando-se atualmente de “direita liberal”, em 2017, por meio de sua
empresa de comunicação Image 7, ela foi assessora de François Fillon, então candi-
dato à presidência.
Desde a saída de Clara Gaymard, em 2017, o WF está sem presidente. É sua dire-
tora, Chiara Corazza, quem segura as rédeas. Ela foi recrutada por Clara, que cruzou
com ela no setor de investimentos internacionais e na prestigiada escola privada Sta-
nislas, em Paris, onde seus filhos foram educados juntos. Desde sua chegada, o WF
conta com um comitê estratégico que reúne sete grandes grupos empresariais, entre
eles Axa, Bayer, Microsoft e BNP Paribas, que mobilizam sua expertise para contribuir
nas reflexões. Chiara também considera que homens e mulheres são “complementa-
res” (Les Échos, 21 out. 2019). “Eu só quero que as mulheres tenham as mesmas
oportunidades na construção do futuro.” (M.K. e T.R.)
1 Léa Salamé, Femmes puissantes [Mulheres poderosas], Les Arènes – France
Inter, Paris, 2020.
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