Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 161 (2020-12)

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32 Le Monde Diplomatique Brasil^ DEZEMBRO 2020


O desastre. E depois?


O Centro Nacional da Música, na França, acaba de ser aberto. Encarregado
especialmente de colocar em prática uma política de apoio à criação não
diretamente “rentável”, ele terá de enfrentar a devastação promovida pela
crise sanitária e, a longo prazo, as pressões dos interesses comerciais

POR ÉRIC DELHAYEJ*

“E


vitar as falências.” Durante
a coletiva de imprensa, em
3 de novembro de 2020, o
presidente do Centre Na-
tional de la Musique (CNM) chegou
rapidamente ao que hoje é priorida-
de. Desejado durante muito tempo e
criado juridicamente em janeiro, o
estabelecimento público que mal
acabou de ser instalado foi obrigado a
se ocupar de problemas urgentes,
quando, em março, os shows foram
proibidos. Sua criação marcava a re-
novação das políticas públicas volta-
das à música após décadas de tergi-
versações. Porém, a crise sanitária

Tantos grupos com interesses às ve-
zes contraditórios. Essa fragmenta-
ção, que talvez a pandemia esteja ab-
sorvendo pelo vazio, explica o tempo
que foi necessário para chegar ao sur-
gimento do CNM: meio século.
No entanto, a relação da música
com o poder é antiga: Luís XIV criou a
Academia Real da Música (ancestral
da Ópera Nacional) em 1669, e as en-
comendas reais aos músicos eram nu-
merosas. Mas não se inventou muita
coisa diferente durante muito tempo.
Quando o Estado subvenciona com-
panhias de concertos sinfônicos, a
partir de 1861, trata-se mais de uma
pulverização de créditos mínimos do
que de uma ação estruturante. A Cai-
xa Nacional das Letras e o Centro Na-
cional da Cinematografia (CNC)^2 fo-
ram fundados em 1946. O país foi
dotado de um Ministério dos Assun-
tos Culturais, confiado por Charles de
Gaulle a André Malraux em 1959. Mas
foi preciso esperar mais quatro anos
para que o ministro admitisse, diante
da Assembleia, “uma parte de inação
do Estado” no âmbito da música. A dé-
cada assistiu ao desenvolvimento do
vinil, do rock’n’roll e do compositor
Pierre Boulez, que queria encarnar “a
esperança de uma cultura musical
audaciosa, renovada”.^3 Previsto para
dirigir o primeiro Serviço da Música,
integrado ao Ministério da Cultura,
Boulez, defensor do serialismo, foi
descartado em 1966 em benefício de
outro compositor, Marcel Landowski,
fiel ao sistema tonal.
Landowski declarou, então, sua
linha básica: “A partir de agora, em
troca de subvenções mais importan-
tes, trata-se de promover e controlar
[...] uma política de criação, de gran-
de ação cultural e de qualidade de
interpretação que deverá permitir,
sob o controle do Estado, um desen-
volvimento e uma nova inf luência da
música”.^4 Paralelamente à criação,
em 1967, da Orquestra de Paris (cofi-
nanciada pelo Estado e pelo municí-
pio), ele organizou a descentraliza-
ção, estimulando uma rede de
orquestras e óperas regionais e dan-
do apoio ao desenvolvimento de es-
colas de música e de conservatórios
nacionais por região.^5 Autor de um
“Plano de dez anos”, em 1969, para
eliminar o “atraso considerável” que
não permitiu a adaptação da música
às profundas mudanças sociais e
técnicas do mundo moderno”,^6 de-
pois, em 1971, primeiro diretor da
música, da arte lírica e da dança, de-
senvolveu um projeto de democrati-
zação baseado no ensino e na forma-
ção. Mas, dispensado após a eleição
de Valéry Giscard d’Estaing, em 1974,
não pôde levar a cabo seu projeto do
Centro Nacional da Música e da Dan-
ça, um “órgão público-privado, com
fundos profissionais e gerado pelos

abalou o castelo de cartas, ainda
mais porque o ecossistema da música
(artistas, técnicos, produtores, edito-
res, difusores...) já estava fragilizado
pela degringolada da indústria fono-
gráfica dos últimos vinte anos. É pre-
ciso acreditar que a amplitude e a
profundeza dos desgastes confirma-
rão a necessidade de coordenar e sus-
tentar um setor que movimentou 9,7
bilhões de euros e representou
256.957 empregos em 2018,^1 em alta
sob o impulso do streaming até a
ruptura de 2020. É preciso acreditar
também que os imperativos econô-
micos não terão o efeito de enterrar a

“missão de apoio à criação e à difu-
são” evocada pelo CNM.
Em tempos normais, cumprir efe-
tivamente essa missão já não seria
nada simples. Na verdade, essa cadeia
de produção se caracteriza por suas
disparidades estéticas, sociológicas e
econômicas: entre amadores e profis-
sionais, entre música clássica subven-
cionada e músicas contemporâneas,
entre música gravada e espetáculo ao
vivo, entre selos independentes e
grandes empresas internacionais, en-
tre pequenas e grandes salas, peque-
nos e grandes festivais, artistas emer-
gentes e grandes estrelas milionárias...

MÚSICA


A crise sanitária abalou o ecossistema da música que já estava fragilizado nos últimos vinte anos

© Alberto Bigoni/Unsplash


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