Revista Literária Prosa & Versos

(Anita Santana) #1

Carla Brandão Lopes..................................................................................


GATOS, LIVROS E INFÂNCIA


Estão ali em sono profundo, criança e sua gatinha de estimação, filhote ainda,
cria de sua antiga melhor amiga que, já com três anos, fora esquecida em uma das
poltronas da sala, em detrimento do mais novo xodó da casa. Seu nome original,
dado por mim, é Banguela, porém, foi grotescamente batizada por Xane, por quem,
de fato, manda na casa. Naquela cama dormem as duas criaturas mais inocentes
desse lar. Apago a luz do quarto e os deixo dormirem o sono dos puros.


Aquela imagem tão singela me levou ao meu passado. Não sei ao certo o por-
quê, mas me remeteu à figura de meu avô paterno. Não que meu filho e ele fossem
parecidos. Não, não são. Mas, de alguma maneira, as memórias de grande parte da
minha infância, nas férias e passeios na Lagoa Seca estavam fervilhando em minha
mente, era impossível retirá-las, ou adormecê-las.


Ele era sisudo, de poucas palavras, de raras, ou nenhuma, demonstrações de
carinho, de poucos sorrisos. Era grande, forte e solitário. Sua companheira falece-
ra ainda muito jovem, deixando-o sozinho pelo resto de sua existência. Seus filhos
sempre foram muito animados e presentes, mas ele continuava ali, sério e calado.


Os netos, que não eram poucos, volta e meia estavam correndo pelo terreiro,
subindo nas árvores, fazendo coisas de crianças saudáveis e felizes, e recebendo os
olhares sombrios do velho. Nos poucos momentos em que a TV da sala era ligada
para que ele assistisse seu jornal, ou Chaves, a criançada corria para aproveitar
cada minuto daquela distração, que durava o exato momento que ele queria. Ao se
levantar de sua poltrona, independente de quem ou quantos estivessem assistindo,
solenemente pressionava seu dedo indicador no botão da TV e a desligava, sem o
menor pudor.


Entre as peraltices das crianças estava a de, enquanto o avô ia para a roça,
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