(20200500-PT) Exame Informática

(NONE2021) #1
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O


O Summit disponibiliza à comunidade
científica 200 petaflops. Até à
data, identificou 77 moléculas com
potencial para tratar a Covid-19

Miguel Castanho, Investigador
do Instituto de Medicina Molecular:
a simulação permite acelerar a seleção
de moléculas candidatas que serão
testadas em laboratório

Claúdio Soares, investigador do ITQB
e professor da Universidade Nova:
Para simular a vida de uma molécula
durante de 100 microssegundos, podem
ser exigidos milhões de cálculos

que vê um cientista
quando obtém uma
simulação de uma
molécula? Miguel
Castanho respon-
de: “muitas vezes,
obtemos resultados
gráficos que fazem lembrar as peças do
Tetris”. Pela mão de Cláudio Soares, atra-
vés de uma videoconferência, percebe-
-se bem que a referência ao Tetris é uma
metáfora que nada tem a ver com diver-
são – e eventualmente salva vidas. E essa
possibilidade pode surgir quando menos
se espera sob a forma de uma simula-
ção de 10 microssegundos, que mostra
o interior de uma denominada “caixa
de água”, com mais de 2000 átomos em
movimentos frenéticos que representam
as interações estabelecidas pela enzima
Norcoclaurine Synthase. É apenas um
exemplo dado para ilustrar a forma como
os cientistas de hoje recorrem à super-
computação para desvendar a misteriosa
vida de células, vírus, bactérias, átomos
ou moléculas. “Para fazer uma simulação
de 10 microssegundos podem ser exigi-
dos milhões de cálculos para apurar todas
as forças exercidas pelos vários átomos”
explica Cláudio Soares.
Miguel Castanho investiga novos
fármacos no Instituto de Medicina
Molecular da Universidade de Lisboa
(IMM); Cláudio Soares dirige o Grupo
de Modelação de proteínas do Institu-
to de Tecnologia Química e Biológica
António Xavier da Universidade Nova
de Lisboa (ITQB Nova). O primeiro faz
testes laboratoriais; o segundo trabalha
com simulações computacionais. Re-
centemente, os dois juntaram esforços:
devido ao vírus SARS-Cov-2 (que dá
origem à doença Covid-19), os dois in-
vestigadores decidiram colaborar com
simulações computacionais e testes
laboratoriais que validam ou “chum-
bam” o desenvolvimento de moléculas
candidatas a novos fármacos – ou que,
pelo menos, ajudam a descobrir vul-


nerabilidades do vírus. Entre os líderes
do projeto, figura ainda Diana Lousa,
investigadora do ITQB-Nova.
“Já se sabe quais são as proteínas da
superfície do vírus. Usamos a simula-
ção para saber como é que se podem
estabelecer ligações a essas proteínas
através de novas moléculas. Consoante
a ligação seja mais forte ou mais fraca,
essa molécula pode ou não dar um bom
fármaco. É algo que torna tudo mais rá-
pido. Podemos testar (com simulações)
10, 20, ou 50 moléculas e escolhermos
apenas as três ou quatro mais promisso-
ras para testar em laboratório”, recorda
Miguel Castanho.
Os dois laboratórios lisboetas não es-
tão sozinhos no uso de simulações que
ajudam a perceber a eficácia de novas
moléculas. Antes da redação deste tex-
to, o Summit, que foi desenvolvido pela
IBM para devolver aos EUA a liderança
mundial da supercomputação, identifi-
cou 77 moléculas que, eventualmente,
podem ser usadas em fármacos para
combater a Covid-19.
“Os resultados das primeiras simu-
lações não demoram muito. O busílis
está na experimentação laboratorial...
na obtenção, no isolamento e no ma-
nuseamento do vírus”, acrescenta
Miguel Castanho, sobre o estudo do
SARS-Cov-2 que vai ser levado a cabo
por IMM e ITQB-Nova.

ACELERAR A CIÊNCIA
Para produzir uma “simulação” da vida
da proteína da enzima Norcoclaurine
Synthase com uma duração de 100 mi-
crossegundos, o agregado de computa-
dores do ITQB-Nova esteve em operação
contínua durante dois meses. E este até
pode nem ser o exemplo mais exigente:
“já houve casos em que tivemos de es-
calar (a capacidade de processamento)

recorrendo a supercomputadores de Itá-
lia ou Espanha. Mas a partir do momento
em que passámos a usar placas gráficas
(GPU) passámos a ser mais competiti-
vos”, refere Cláudio Soares.
Num outro bairro de Lisboa, Tiago
Paixão depara-se todos os dias com o
potencial e as limitações da computação


  • ou não fosse essa a principal missão do
    responsável pela Unidade de Biologia
    Quantitativa do Instituto Gulbenkian de
    Ciência (IGC). Conhecimentos de dife-
    rentes linguagens de programação, redes
    neuronais e blockchain são indispen-
    sáveis. “A grande maioria dos projetos
    exige a programação de códigos. Para
    as funções e tarefas mais genéricas, há
    algumas bibliotecas em código aberto,
    mas, de qualquer forma, temos de fazer
    uma implementação adequada”, explica.
    A aposta nas simulações não tem por
    objetivo o desenvolvimento de fárma-
    cos, mas foi assumida pelo IGC como
    ferramenta de apoio que leva a ciência
    para um novo patamar quando se trata
    de descrever como é que um vírus infeta
    uma célula ou como é que uma célula dá
    origem a um organismo inteiro. Entre
    os trabalhos que se perfilam, figura a
    descrição dos efeitos que o metabolismo
    de uma bactéria pode ter no microbio-
    ma da flora intestinal humana – o que
    implica apurar metabolismos de 5000
    bactérias – e apresentar resultados nu-
    méricos que descrevem as alterações
    desses metabolismos.
    “Ainda não apareceu uma simulação
    que não se consiga fazer com os nossos
    computadores num prazo decente de
    uma semana, mas é uma questão de tem-
    po até aparecer. Nessa altura, tentaremos
    recorrer ao supercomputador que está
    no Minho”, explica.
    Bem no coração minhoto, mais pre-
    cisamente em Riba d’Ave, há hoje um
    1 Petaflop (mil biliões de operações por
    segundo) disponível para a comunidade
    científica nacional. O Centro de Com-
    putação Avançada do Minho (MAAC) foi

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