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As poucas pessoas que ousaram
desafiar a hipervalorização do desempenho
profissional e privilegiaram o espaço
sagrado da casa, cultivando o silêncio e
a troca informal de conhecimento, foram
estigmatizadas e vistas como alienadas
IMAGENS: 123RF
exploratório dessa natureza impossi-
bilita os laços interpessoais e a relação
com as coisas são unicamente modu-
ladas em função da renda a ser aferida
para os detentores do poder. Bleger
enfatiza aqui a importância da conexão
entre a coisa e o sujeito, a relevância dos
relacionamentos interpessoais que va-
lorizam as tarefas desempenhadas, ao
passo que, no sistema capitalista, pre-
pondera uma proposta inversa.
Num nível mais sofisticado, essa
cisão também pode ser verificada, pois
nos altos escalões das empresas a pres-
são pelo desempenho e a competitivida-
de são de tal ordem que exigem o aban-
dono da vida pessoal. O indivíduo, por
mais especializado que seja, não pode
vacilar, sob o risco de ser imediatamen-
te substituído pelo descumprimento
das metas estabelecidas.
Sob essa égide, todas as demais pro-
duções humanas que não se enquadrem
nesse parâmetro são tidas como inúteis
ou sequer são reconhecidas como tal –
o ser e o fazer permanecem dissociados
ou, em outras palavras, os indivíduos
são avaliados por aquilo que produzem e
gera lucro. E aqui retornamos à questão
a respeito de qual seria o agente mobili-
zador das atividades manuais, uma vez
que, em sua grande maioria, as produ-
ções são criadas apenas para o próprio
deleite, estendendo-se, quando muito,
para o ambiente familiar.
Surge o questionamento acerca da
importância que o olhar do outro re-
presenta em termos de reconhecimento
subjetivo da verdadeira essência. Win-
nicott ressalta, em seus postulados, a
relevância de uma companhia viva e real
responsável pelo desenvolvimento sau-
dável do sujeito (O Brincar e a Realida-
de, p. 59-93). O olhar do outro legitima e
endossa a potencialidade ali existente e
cria condições favoráveis para a expres-
são do verdadeiro self.
Nesse momento, porém, é impres-
cindível distinguir dois tipos de espa-
ço: aqueles que se destinam unicamen-
te ao ensino e os outros que, orientados
por um profissional qualificado, visam
acolher e dar sentido às experiências
ali vivenciadas.
Atividade criativa
N
o primeiro caso, pode-se facil-
mente resvalar para um aprendi-
zado destituído de criatividade, no qual
o aluno apenas reproduz os pontos ensi-
nados. Esse tipo de produção em muito
se assemelha ao que foi mencionado an-
teriormente. Embora não esteja subor-
dinada ao capital, evidencia-se, de todo
modo, uma sujeição análoga.
De acordo com Winnicott, a ati-
vidade criativa que se dá no contexto
da submissão torna-se “doentia para a
vida”. Nesse enfoque, nem sempre uma
obra de arte é expressão genuína de cria-
tividade, ao contrário, pode ser resul-
tante de uma profunda dissociação (O
Brincar e a Realidade, p. 95-120).
Na segunda proposta, contudo, de
acordo com as formulações de Benja-
mim (1936/1996), trata-se de favorecer
a instauração de um espaço adequado
a um precioso compartilhamento de
experiências. O analista procura for-
necer uma ambiência suficientemente
boa equivalente à ofertada pela mãe
nos primórdios do desenvolvimento
emocional, consoante a formulação
de Winnicott de que “...o ser humano
se encontra em processo de contínuo
amadurecimento...” (1945). A apre-
sentação de todo o material – tecidos,
linhas e até mesmo dos pontos – visa
facilitar a expressão de aspectos sig-
nificativos do self do indivíduo. Cabe
ao especialista o acompanhamento do
processo pautado pela compreensão
de que “qualquer criação, seja ela uma
escultura, um poema ou um trabalho
científico, relaciona-se ao sentimento
de estar vivo e sentir-se real” (Winnicott,
O Brincar e a Realidade, p. 95-120).
O traço distintivo dessa condu-
ta profissional é o oferecimento de
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intensas que forçam o abandono da vida pessoal