Visão 1373 [27-06-2019]

(claudioch) #1

Larsson era ilustrador na agência de
notícias TI, a maior da Suécia, e jornalista
de investigação. Destacava- se, sobretu-
do, pela cobertura dos movimentos de
extrema-direita. Herdara do avô Severin,
com quem viveu até aos 9 anos, o ódio ao
nazismo e a todos os partidos que parti-
lhavam a mesma "ideologia ignóbil". Além
de publicar na Suécia, também assinava
regularmente textos em Inglaterra, como
correspondente do jornal Searchlight.
Quando Olof Palme morreu, os seus co-
nhecimentos revelaram- se muito úteis.
O primeiro suspeito detido pela polícia,
Victor Gunnarsson, era apresentado como
um homem de 33 anos, de direita, antico-
munista e fã dos EUA. Stieg Larsson nunca
mais largou o caso.


O GRANDE TESOURO
Jan Stocklassa, no entanto, ignorava
por completo a obsessão do famoso
escrito r su eco, que só conhecia dos ro-
mances. Numa fase difícil da sua vida,
entre empregos - formado em Arqui-
tetura, fez carreira diplomática e hoje
lidera uma empresa de software - e
com um casamento em ruínas, come-
çou a interessar- se pela relação entre
os crimes e os lugares onde ocorrem.
Chegou a dedicar- se a uma casa onde
tinham sido cometidos dois crimes de
grande violência. Pouco tempo depois,
apercebeu- se de que nessa mesma
casa viveu Alf Enerstri::im, médico que
chegou a estar no radar dos suspei-
tos da polícia e que nunca escondeu a
oposição ao primeiro-ministro sueco.
À medida que entrava no admirável
universo OlofPalme, a sua investigação
sobre os espaços ficava para trás. Sem
arrependimentos. "Qualquer dia, volto
a ela", garante. O que encontrou era de-
masiado importante.



  • "SE COM A MORTE


DO PRIMEIRO-MINISTRO

QUERIAM ELIMINAR


A SUÉCIA DO XADREZ


INTERNACIONAL,


ESSE OBJETIVO


FOI TOTALMENTE


ALCANÇADO"

Ao querer saber mais sobre o médico,
Jan Stocklassa chegou à fala com Anna-
-Lena Lodenius, que com Stieg Larsson
escreveu o livro A Extrema-Direita, pu-
blicado em 1991. E através dela chegou ao
que considera ser um "tesouro de valor
incalculável": os arquivos secretos (ou, pelo
menos, há muito "escondidos") do autor de
Millennium, hoje à guarda da revista Expo,
que fundou. "De início, pensava que seriam
só uns papéis, mas quando me levaram a
um armazém nos arredores de Estocol-
mo, deparei-me com 20 caixotes cheios."
Abria-se um mundo de possibilidades.
"Trinta anos de teorias, hipóteses e con-
tra-hipóteses não deram em nada", explica
com o entusiasmo de quem conhece bem
o historial. "O pequeno núcleo duro dos
factos encontra-se coberto por uma ca-
mada obscura de presunções e mentiras."
Para quem queira navegar em segurança
neste mar de hipóteses e suspeitos, a única
solução é regressar ao inicio. Foi o que fez.
Nos arquivos de Stieg Larsson, Jan
Stocklassa pôde reconstituir passo a passo
o evoluir da investigação da polícia -bas-

NOVOS DADOS, VELHAS PISTAS

Quando morreu, em 2004, Stieg
Larsson continuava a investigar
a ligação da morte de Olof Palme à
extrema-direita e ao Apartheid da
África do Sul, o que envolvia negócios
com armas e petróleo. As 20 caixas
de documentos que reuniu foram
fundamentais para Jan Stocklassa
escrever o seu livro e identificar
o possível assassino.

tante amadora, por sinal. "O arrastar da
descoberta do assassino de Olof Palme
pode ter muitas explicações, mas a pri-
meira será sempre a incompetência das
forças de segurança", garante. O que mais
o surpreende, aliás, é o facto de as prin-
cipais pistas que hole apresenta estarem
em cima da mesa desde o início.
Na altura, Victor Gunnarsson foi ra-
pidamente liberto, com um bom álibi, e
Christer Pettersson também. Este homem,
visto no local à hora do crime, foi o preso
mais mediático. Ato de uma só pessoa foi,
sempre, a tese mais forte. E conveniente.
As autoridades precisavam de apresentar
um culpado. Com problemas de álcool e
cadastro, Pettersson ajustava- se. Foi con-
denado, mesmo sem provas diretas, e mais
tarde absolvido. Passou o resto da vida,
até morrer em 2004 , a alimentar dúvidas.
Se lhe pagassem bem, ia à televisão dizer
que era o culpado.
A polícia também procurou organi-
zações que pudessem estar interessadas
na morte do governante, uma das figuras
mais populares da Europa dos anos 80.
"Só que apostaram, durante um ano, na
direção errada, o PKK", diz Stocklassa,
porque o movimento curdo tinha sido
integrado na lista de grupos terroristas
por Palme. Só mais tarde se seguiu a
pista a que Larsson chegara rapidamente:
África do Sul. "Ao denunciar o Apartheid,
Olof Palme também estava a condenar e
a expor os negócios à volta do petróleo e
das armas, que passavam pelo Irão e pela
Nicarágua", defende. "Se com a morte
do primeiro-ministro queriam eliminar
a Suécia do xadrez internacional, numa
altura em que desempenhava um papel
muito importante, esse objetivo foi to-
talmente alcançado."
Stocklassa nem sempre segue as pistas
de Stieg Larsson, que era muito caótico na
sua obsessão e não dispunha de meios hoje
banais. "A internet ajuda muito", garante.
E viajar também. Para fortalecer a sua tese,
esteve na República Checa, no Chipre e na
África do Sul. Falou com antigos agentes
de serviços secretos e gente "muito bem
relacionada". Hoje, contenta-se com o
facto de a polícia sueca ter pedido para
ler o livro antes da sua publicação. "Há
novas provas, como um walkie-talkie que
só passados estes anos todos foi entregue
à polícia, e novas inquirições", diz. Por isso,
afirma: "Este livro não é a última palavra.
Mas se tudo correr bem, poderemos daqui
a um ano ou dois dizer a frase há muito
irnpronunciável: detivemos o homem que
matou Olof Palme." III rduarte@t rustinnews.pt

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