Todo Esse Tempo - Rachael Lippincott

(CAR0L) #1

deixa com medo de levantar a tampa. De ver o que mais está ali
dentro.
Reúno coragem de enfiar a mão e afastar as camadas.
Lentamente exploro o conteúdo e o pedaço de tecido se
desenrola revelando ser uma echarpe. Embaixo dela, uma bolsa.
Um único sapato.
Pequenas partes dela que nunca mais serão usadas. Nunca
mais serão enroladas graciosamente em volta do seu pescoço,
ou penduradas no seu ombro, ou chutadas para um canto do
meu quarto quando voltamos para casa à noite.
Exploro mais e encontro o globo espelhado, completamente
intacto.
Eu o ergo para que a luz do meu abajur se reflita nele e
espalhe pequenas faíscas de luz pelo quarto. Um raio de dor
atinge minha cicatriz e eu vejo o pequeno globo espelhado
refletindo os faróis do caminhão que corre na nossa direção, as
centelhas de luz cobrindo o rosto horrorizado de Kimberly. Meu
batimento acelera e minha visão fica embaçada.
Solto o enfeite, fecho meus olhos e a dor recua conforme a
memória desbota.
Quando eu os abro, meus olhos percebem a pequena caixa
de veludo bem no fundo. Com cuidado, lentamente, eu a pego e
abro, revelando a pulseira de berloques. Eu passo meus dedos
por ela, o metal gelado pousando suavemente na minha palma.
Meus dedos percorrem os berloques e chegam aos elos
vazios, o espaço que eu guardei para nossas memórias futuras.
Memórias que ela construiria sozinha, em Berkeley.
Agora eu estou construindo memórias sem ela.
Eu penso nas palavras de Sam quando ele esteve aqui em
casa. Sobre o que Kim iria querer. Na minha mãe e seu “Sempre
para a frente. Nunca pra trás.” Em Marley, perto do lago. Nosso
lago.
Eu coloco a pulseira de berloques dentro da caixa com
cuidado e a guardo. É cedo demais. Eu fui hoje ao cemitério
porque pensei que era o que Kim iria querer.
Então por que cada minuto ainda parece ser uma traição ao
passado?

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