Revista LPV (4) PDF

(Anita Santana) #1

Sammis Reachers...........................................................


COMO QUEM GUARDA UMA CIDADELA


Fiz o bolo preferido dele, chocolate com recheio de
chantilly. Todo ano eu faço seu bolo. Meu bebê. Que
Deus cuide de você, meu anjinho!
Acordei cedo pra limpar o quarto dele. Avisei à dona
Eurásia que não trabalharia; ela, cada vez mais velhinha
e dependente, me pareceu entristecida ao telefone, mas
entendeu. Sempre entende, desde o primeiro ano.
Troquei a roupa de cama, passei pano no chão. Peguei
pra lavar o velho boné da Porto da Pedra, onde ele era
ritmista. Não era muito do samba, mas dizia que
participava em memória do pai, um dos fundadores da
escola, com quem só conviveu até os sete anos, que a
cachaça o levou.
Hoje é o Dia Onze de Agosto, o principal dia da vida, o
principal dia desse mundo morno. O dia do meu meninão.
São oito anos que choro este dia, comemoro, me
esparramo por dentro. Há oito anos que meu único filho,
Godrigo, saiu de casa para se divertir. Iria a um baile
funk, uma desgraça de baile funk, mas ele gostava. O
baile era do outro lado da Baía, na Vila Kennedy. Tanto
baile aqui nos bairros de São Gonçalo, na Covanca, no
Salgueiro...Foi sozinho, que meu menino era assim, tinha
seus defeitos, mas não era de andar de patota.
Todos os anos, em janeiro e setembro, vou até a 34ª
Delegacia Policial, em Bangu. Nunca há informações
sobre o caso; mas não desisto, sou mãe, sou a
persistência. Um dia o caso se esclarecerá...Ser mãe é
não ter opção.
Na delegacia os policiais mudam, mas não o destrato.
Devem aprender na academia, se é que isso existe. Ou
desaparecidos há muitos, e eles já não se importam.
Quem sabe é a velha norma pátria, a reação à cor de

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