Banco Central do Brasil
Revista Veja/Nacional - Colunistas
sexta-feira, 12 de novembro de 2021
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dinheiro do contribuinte são nossos parlamentares
escolhendo com base em seus interesses eleitorais?
O segundo problema é o personalismo político.
Problema que não se resolve com a execução
obrigatória de uma cota igual para cada parlamentar,
como funciona com as emendas individuais. O ministro
Gilmar Mendes acerta quando diz que as emendas, em
regra, não são escolhas “motivadas”. São decisões
políticas. Criar uma cota fixa para cada parlamentar,
neste ano em 16 milhões de reais, não muda o fato
óbvio de que o recurso público será alocado com base
no interesse personalíssimo do político em angariar
votos. Isso foi colocado lá na Constituição, em 2015.
Poderia ser diferente? Houvesse apenas emendas
coletivas, o problema estaria fundamentalmente
resolvido. Do jeito que está, não tem jeito: entregar
nacos do Orçamento à decisão individual de cada
parlamentar atinge em cheio o princípio da
impessoalidade, inscrito na própria Constituição.
O terceiro problema é o uso das emendas como
moedas de troca no Congresso. Também aí há quem
defenda. A própria Procuradoria do Senado o fez
dizendo que é do jogo alocar recursos “de acordo com a
formação da base do governo e suas necessidades
eleitorais”. Quando leio essas coisas me vem a
pergunta; e o “convencimento”, o “debate de ideias”, o
“mérito” de cada projeto? Contam para o que mesmo?
O.k., dirão que essa é uma visão ingênua da
democracia, que há o varejo, o mercado político, e que
tudo isso faz parte do jogo. Se for verdade, então não
há lá grande problema com as emendas de relator. O
governo distribui os recursos, vai formando a base e
seguimos em frente. Desconfio que haja um problema
aí. Prefiro que a moeda da República seja algo mais
inteligente do que a distribuição aleatória de pedaços do
Orçamento, ainda que isso seja feito de modo
transparente.
As emendas de relator foram chamadas de “orçamento
secreto” pois o público não consegue saber quem são
seus autores e quanto cada parlamentar recebeu. Eu
me lembrei de Norberto Bobbio, nos anos 80, dizendo
que a transparência era uma das “promessas não
cumpridas da democracia”. Continua sendo. Em parte,
sempre será assim, visto que os temas de Estado são
complexos e os cidadãos têm mais que fazer. Sua
influência nos assuntos públicos é quase nenhuma e a
alienação termina sendo uma opção racional. Mas não
precisamos exagerar. Tem lá cabimento ter de adonar a
Lei de Acesso à Informação para saber qual o deputado
que indicou uma emenda de 20 milhões ou 30 milhões?
Precisava o Supremo entrar em campo para dizer algo
tão evidente?
Por fim, há o problema do desequilíbrio eleitoral. Se
você decidir concorrer a deputado, muito provavelmente
terá de disputar com um político no mandato. Apenas
com as emendas individuais, ele terá ‘'distribuído", em
quatro anos, coisa de 60 milhões de reais. Entre
sessenta e oitenta projetos devidamente anunciados ou
inaugurados. Isso tem algum impacto direto nos
eleitores, mas seu efeito maior é na fidelização de
prefeitos e líderes locais, o que é decisivo na eleição.
Fora isso, o deputado tem seus 25 assessores, dinheiro
para se deslocar e imprimir materiais. E quem sabe
ainda 1 milhão ou 2 milhões do fundão eleitoral, pagos
pelo contribuinte, porque “a democracia custa caro, não
é mesmo?”.
A verdade é que criamos um duplo clientelismo. Do
governo cooptando deputados em Brasília, e dos
deputados cooptando prefeitos e vereadores país afora.
Poderia funcionar de outro modo? Por esses dias
escutei a esdrúxula tese de que, dado que as coisas
são assim, é assim que elas devem ser. Algo próximo
da fina definição de Raymundo Faoro ao nosso
tradicionalismo: “É assim porque sempre foi”.
Não penso que o uso político do Orçamento para “fazer
política”, como ouvi de um deputado, ponha em risco
nossa democracia. Mas compromete sua qualidade.
Expressa a sobrevivência de um elemento arcaico no
Estado brasileiro, que perpetua elites no poder,
desorganiza políticas públicas, desperdiça recursos
escassos e, em última instância, contribui para o
descrédito do fazer político no país.
O professor Edson Nunes definiu o clientelismo como
uma das “gramáticas” definidoras da política brasileira.
Nossas elites, ele diz, “contam com uma complexa rede
de corretagem política que vai dos altos escalões até as
localidades”. O clientelismo “não definhou durante o
período do autoritarismo, não foi extinto pela
industrialização e não mostrou sinais de fraqueza no
decorrer da abertura política“. O sistema de emendas é