edição 83 • Paixão Pelo vinho • 117
Desde sempre que os cristãos
preferiram o vinho branco ao vinho
tinto, principalmente recusando os
vinhos de cor muito forte porque,
diziam, o vinho branco e pálido de cor
era o sangue de Cristo, enquanto o
tinto era o sangue do Diabo. E assim foi
durante muitos séculos.
ou ainda Manuel Agostinho Madeira Torres
(1771-1836) na sua Descrição Histórica e
Económica da Vila e Termo de Torres Ve-
dras, obra editada em 1819, afirma “Quase
todas as pessoas de gosto e paladar de-
licado que bebem do vinho particular de
Torres chegam a preferi-lo ao do Douro, e
ao melhor estrangeiro...”.
Mário Viana, no seu ensaio “Alguns preços
de vinhos em Portugal (séc. XIV a XVI)” dá-
-nos o valor para os vinhos que se vendiam
em Coimbra em 1333, o tinto a 24 soldos o
almude, o branco a 30 soldos. Um século
e meio mais tarde, no Porto, o almude de
Branco valia 100 reis, enquanto o tinto se
ficava pelos 70 réis.
Na “Memória Sobre os Processos de Vini-
ficação”, relatório das vindimas em Por-
tugal da autoria de António Augusto de
Aguiar, Ferreira Lapa e Visconde de Vila
Maior, editado em 1867, Ferreira Lapa - a
quem coube escrever sobre os vinhos de
Lisboa afirma: “Nos livros estrangeiros de
enologia é frequente, quando nomeiam
os vinhos primorosos de Portugal, achar o
de Torres logo depois do Porto, Madeira e
Carcavellos”.
É a partir do final do século XVIII que os
vinhos tintos começam a ganhar suprema-
cia aos brancos.
Escreve Manuel Agostinho de Madeira Tor-
res no seu livro Descripção Historica e Eco-
nomica da Villa e Termo de Torres Vedras,
dado à estampa em 1819: “Há sessenta ou
setenta anos a grande força de vinhos que
se lavravam em Torres e seu termo eram
todos brancos...”
Passados 200 anos parece que o bom sen-
so voltou àquelas paragens com o cultivo
de vinha de uva branca do lado atlântico
e de uva tinta do outro lado da serra de
Montejunto, para o interior.
Também na Região dos Vinhos Verdes de-
pois de muitos anos de predominância de
vinhos tintos, a partir de finais do século
passado a produção de vinhos brancos foi
crescendo até se tornar, nos últimos anos,
dominante.
E aqui fica a pergunta: “Pode Portugal ser
um país de vinhos brancos?”
Na resposta, que não será taxativa, pende-
rá para a afirmação. Em Portugal nas duas
últimas dezenas de anos os brancos têm
surgido em grande número, bem feitos,
gulosos, com altíssima qualidade.
Diogo Lopes, enólogo em vários projec-
tos, entre os quais a Adegamãe, declarou
há tempos em artigo do jornal Público que
vê em Portugal tanto ou mais potencial
para brancos do que para tintos, acrescen-
tando: “As nossas variedades brancas são
mais interessantes e originais do que as
tintas. E estão mais estudadas. Temos tam-
bém uma diversidade de solos riquíssima.
Se adaptarmos as nossas melhores castas
aos nossos melhores solos, podemos fazer
brancos de altíssimo nível”.
Pelo que tenho provado ultimamente, in-
clusivamente alguns trabalhados por este
enólogo, já os fazemos!