Paixão Pelo Vinho - PT - Edição 83 (2021-Trimestral)

(Maropa) #1

118 • Paixão Pelo vinho • edição 83


JaNeLa aberta

lipto, que seca tudo à sua volta, tornando
o movimento associativo espelho do líder
e não dos ideais para que nasceu, resultan-
do num envelhecimento dentro dos movi-
mentos, a não entrada de jovens por não
se sentirem parte, nem integrados, nem
acharem que podem aspirar a um dia se-
rem eles o governo da instituição.
É com muito pesar que vejo um envelheci-
mento naquele que foi o maior movimento
cívico que elevou a gastronomia nacional,
que uniu produtores e consumidores, que
deu a conhecer o mundo rural aos cita-
dinos que começaram a viajar mais pelo
interior do país descobrindo um Portugal
gastronomicamente rico e pleno de tradi-
ções e com uma cultura esquecida e des-
prezada.
O movimento confrático, as Ordens, Ir-
mandades tiveram e têm o grande méri-
to de agregar ao redor da mesa desde os
académicos ao mais simples lavrador, do
patrão ao empregado, do porteiro do ho-
tel ao CEO do Grupo, ao colocar o mes-
mo traje, prestando o mesmo juramento,
sentando-se à mesma mesa ficavam todos
irmanados e iguais é o princípio básico
da salutar igualdade que tanto desejamos
nesta cultura ocidental estruturalmente
cristã.
Por isso é mister, obrigação e deve ser
desígnio não deixar que nenhuma destas
organizações acabe ao fim de décadas
apenas por causa da morte de um dos
seus elementos, mesmo que muitas vezes
tenha sido ele a chave do sucesso, o mo-
tor de arranque, a força motriz, aquele que
levava mais a sério a missão enquanto ou-
tros, de olhos mansos e fitando de soslaio,
fugiam ao seu dever esperando no confor-
to do sofá à distância do toque do SMS do
telemóvel ou do email a próxima convoca-
tória que, por vezes, nem respondem.
Ao saber da morte do meu querido amigo
Horácio Ramos, tive vergonha por não ter
sabido mais cedo, não ter estado em ora-
ção com a sua família, não ter ido junto ao

imortalidade


hÉliO lOureirO

Esta semana recebi um email que me dei-
xou desconcertado. Um amigo dava nota
que uma Ordem, à qual eu pertenço, li-
gada ao mundo da enologia e gastrono-
mia está prestes a pôr fim a trinta anos de
trabalho, pois a morte do seu Intendente
e seu maior impulsionador dita um fim de
ciclo, mas sobretudo deixa um enorme va-
zio. Acontece com muitas Confrarias, Mo-
vimentos cívicos, Ordens, Irmandades em
que o presidente se eterniza em funções,
umas vezes por vontade própria outras
por um certo relaxamento e conforto dos
membros.
Sempre fui contra a perpetuação em car-
gos de presidência de associações. Não
vejo nos movimentos cívicos vantagens
para que as pessoas permaneçam mais do
que três mandatos à frente das organiza-
ções.
Em muitos casos é mesmo a falta de se-
guidores e de quem se disponha a avançar
para a presidência, outras um provincia-
nismo muito luso, o de não fazer frente, a
falsa modéstia dos restantes membros em
acharem que não devem se colocar à fren-
te de quem comanda, noutros casos, mui-
tos, os presidentes vacilam no momento
de deixar o cargo julgando-se os únicos
capazes para o exercer.
No movimento confrático assistimos a
uma eternização nos cargos e funções que
leva àquela imagem que temos do euca-


O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico

“Que a tua vida não seja estéril.
Sê útil. Deixa rasto.”_ São Josemaria

Na vida devemos sempre preocupar-
nos por fazer mais e melhor. E, como
São Josemaria diz, viver deixando rasto,
sendo úteis, sendo fecundos em obras,
fazendo sorrir, sonhando e fazer sonhar.

Altar recordá-lo , ele que deu tanto de si à
Ordem Soberana dos Cavaleiros de Santo
Urbano e S. Vicente. O Horácio Ramos foi
a Ordem, fez tudo pela Ordem, foi tudo na
Ordem, e no momento do seu passamen-
to não podemos deixar que o esforço de
uma vida de trabalho e dedicação ao Vinho
do Dão seja apagado apenas porque agora
nós não queremos arregaçar as mangas,
percorrer os quilómetros que ele fez, ouvir
os “não” que ele escutou, ter “a maçada”
que ele tantas vezes teve nos inúmeros ca-
pítulos que realizou.
Deve, pois, a morte deste homem bom
que numa altura em que os vinhos do Dão
eram desclassificados, desprezados e mal
tratados, nos fez parar para reflectir, ele foi
uma formiguinha para a elevação dos vi-
nhos do Dão, para a dinamização do Turis-
mo na Região de Viseu, na salvaguarda da
gastronomia regional. Um dia olhava para
o chão coberto de folhas outonais, pelo
meio um pequeno galho de madeira cor-
ria levado por formigas. Uma formiga era
incapaz, mas muitas formam um exército.
Sim, o Horácio era uma delas que nos fa-
zia correr com ele, saibamos honrar a sua
memória, continuar a obra, engrandecer
e retirar a lição de tudo o que foi até este
momento feito e saibamos que temos de
futuro jamais deixar as instituições entre-
gues, por conveniência nossa ou dese-
jo das presidências, ficarem fragilizadas
quando um dos nossos parte.
É mais que obrigação preservar este his-
tórico e aprender com estas vivências,
olhar para a História que tanto nos ensina
e saber preparar sempre o dia de amanhã
sabendo que todos nós não somos substi-
tuíveis, pois somos diferentes uns dos ou-
tros, mas que nessa diferença é que está
a certeza da continuidade e a capacidade
de nos substituirmos nas funções, já que
nunca seremos capazes de nos igualarmos
nas personalidades e ainda bem.
Na vida devemos sempre preocupar-nos
por fazer mais e melhor. E, como São Jo-
semaria diz, viver deixando rasto, sendo
úteis, sendo fecundos em obras, fazendo
sorrir, sonhando e fazer sonhar.
Obrigado Horácio pelos bons momentos à
volta da mesa e nas tertúlias, mas sobre-
tudo pelo teu trabalho em prol dos vinhos
do Dão, por me teres levado tantas vezes
a Viseu da minha paixão e provar a gas-
tronomia de uma região ímpar, morrer as-
sim apaixonado pela sua terra envergonha
aqueles que pela sua nada fazem.
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