Macro
- EXAME. DEZEMBRO 2021
mais de um ano, num texto que escreveu no
blogue do CFP. Um país com dívida de 60%
do PIB, se tiver um crescimento nominal de
5% (3% real + 2% de inflação) e um défice
de 3%, mantém a mesma dívida. Ora, esses
5% já não parecem realistas, tendo em conta
as dinâmicas esperadas para crescimento
e preços. Ou se aumenta o limite da dívida
ou tem de se exigir défices ainda mais bai-
xos. Tendo em conta o relativo consenso em
torno dos 3%, a primeira opção parece ser
preferida por mais gente.
Marinheiro acha difícil mudar o limite
propriamente dito (exige consenso e ratifi-
cações nos parlamentos nacionais), defen-
dendo, em vez disso, uma alteração no re-
gulamento do Pacto de Estabilidade, seja o
ritmo de redução da dívida exigido ou “con-
siderar um período transitório para o retor-
no ao pleno funcionamento dessa regra, à
semelhança do efetuado quando a mesma
foi adicionada em 2011 para os países que
na altura se encontravam sujeitos a um PDE
[procedimento por défice excessivo]”, ante-
cipa à EXAME.
Nos últimos meses têm surgido várias
propostas. O European Fiscal Board, orga-
nismo independente responsável por acon-
selhar a Comissão Europeia sobre matérias
relacionadas com política orçamental, assu-
me que um regresso aos 60% não é realista
e propôs uma regra de teto da despesa, com
limites de dívida ajustados a cada país. Os
economistas do MEE sugerem algo seme-
lhante: substituir o saldo estrutural por uma
regra de despesa (não pode crescer mais do
que a tendência da economia), aumentar o
limite da dívida para 100% e manter os 3%
para o défice. Dívidas excessivas teriam uma
meta de saldo primário a cumprir.
DAR ESPAÇO AO CLIMA
Quanto mais ambiciosa for a mudança,
mais complicado será executá-la. O que
tem levado alguns a defenderem que uma
solução mais fácil seria encontrar cami-
nhos de flexibilidade em nome de outras
prioridades europeias. Por exemplo, a UE
assume que o combate às alterações climá-
ticas estará no centro das suas políticas pú-
blicas nas próximas décadas e que, entre as
suas principais munições, está uma gran-
de aposta em investimento público. Com
as regras antigas no terreno, esse esforço
orçamental pode acabar sacrificado. Seria
JOÃO LEÃO / Ministro das Finanças
“O MAIS IMPORTANTE É
AJUSTAR A REGRA DA DÍVIDA”
Em resposta por email à EXAME, João Leão defende uma subida
do limite da dívida e a necessidade de regras mais realistas
O que significam regras
mais “amigas do cresci-
mento”? O investimento
em projetos “verdes” ou
de transição energética
devia ser excluído do
apuramento do défice e
dívida?
Regras amigas do cres-
cimento são regras que
garantam uma redução da
dívida pública, sem pôr em
causa a recuperação da
economia. Ou seja, regras
adaptadas à realidade atu-
al, que não imponham um
ritmo de redução de dívida
irrealista e incompatível
com o papel estabilizador
da política orçamental.
Sabemos que são neces-
sários grandes investi-
mentos para acelerar a
transição verde e digital,
e uma forma de tornar as
regras mais amigas do
crescimento, que já foi
inclusivamente discutida
em reuniões ECOFIN, é a
possibilidade de excluir
o investimento verde do
cálculo dos indicadores
que são usados para
avaliações orçamentais
no quadro europeu. Não
seria fácil implementar
esta ideia, mas existe um
consenso sobre a neces-
sidade de se proteger o
investimento, que é es-
sencial para aumentar
o crescimento
potencial da econo-
mia, e em particular
o investimento verde
para atingirmos a neutra-
lidade carbónica.
No atual contexto de juros
e endividamento, os limi-
tes de 3% e 60% do PIB
para défice e dívida ainda
fazem sentido?
O referencial de 3% para
o défice é prudente,
empiricamente razoável e
globalmente consensual.
O mesmo não se aplica ao
limite de 60% para a dívida
pública. Enquanto os 60%
eram consistentes com
a média da área do euro,
quando a regra foi adotada,
sabemos que hoje a média
está próxima de 100%. Por
outro lado, enquanto esta-
bilizar o nível de dívida nos
60% era consistente com
as taxas de crescimento
nominais de há 20 anos, já
vários autores e instituições,
como recentemente o ESM
[Mecanismo Europeu de
Estabilidade], mostraram
que não o é com a realidade
atual. O ESM aponta para
um referencial de 100%,
que é também o valor que
este governo tinha proposto
alcançar até 2023, antes da
pandemia.
Que outras mudanças de-
veriam ser consideradas?
O pano de fundo para a revi-
são das regras deve ser que
as regras são apenas um
meio para o fim e não o fim
em si. O fim deve ser a esta-
bilidade e um crescimento
económico sustentável. E é
por isso que precisamos de
regras amigas do cresci-
mento e que salvaguardem
o papel estabilizador da
política orçamental, espe-
cialmente quando as taxas
de juro estão próximas de
zero. As regras devem ser
realistas, para que estas
sejam credíveis e criem
de facto um sentido de
responsabilidade. Neste
sentido parece-nos que o
mais importante é ajustar
a regra da dívida que está
mais desenquadrada da re-
alidade atual. Seja mudando
o referencial de 60%, crian-
do uma âncora intermédia
para os países de dívida alta
ou adaptando o período
de ajustamento para se
alcançar o referencial. Neste
contexto, uma alternativa
que tem sido discutida é
haver ritmos de redução
da dívida diferenciados,
envolvendo o próprio país
na definição do ajustamen-
to, de forma a aumentar o
nível de responsabilização.
Finalmente, o quadro orça-
mental europeu beneficia-
ria de regras mais simples,
transparentes e menos
dependentes de variáveis
não observáveis como o
produto potencial.
cálculo dos indicadores
que são usados para
avaliações orçamentais
no quadro europeu. Não
seria fácil implementar
esta ideia, mas existe um
consenso sobre a neces-
sidade de se proteger o
investimento, que é es-
sencial para aumentar
o crescimento
potencial da econo-
mia, e em particular
o investimento verde
para atingirmos a neutra-
lidade carbónica.
alcançar até 2023, antes da
pandemia.
alcançar o referencial. Neste
contexto, uma alternativa
que tem sido discutida é
haver ritmos de redução
da dívida diferenciados,
envolvendo o próprio país
na definição do ajustamen-
to, de forma a aumentar o
nível de responsabilização.
Finalmente, o quadro orça-
mental europeu beneficia-
ria de regras mais simples,
transparentes e menos
dependentes de variáveis
não observáveis como o
produto potencial.