A cobra e o tico-tico-rei | 117
O mais feio
Quando nasceu era feio como quase todos be-
bês. Todos nascem com cara de joelho. Em pouco
tempo sua feiúra se confirmou, se definiu e se fixou.
Apesar dos belíssimos olhos azuis, o conjunto estava mais para uma
caricatura. Logo se tornou o alvo preferido dos outros meninos que
não perdiam oportunidade para lembrá-lo de que era uma pessoa
especial, diferente das demais.
O Sílvio, conhecido de todos como “Tita”, logo percebeu que ti-
nha de tirar proveito de seus “dotes físicos” e não tardou a intitular-
se “o mais feio da fazenda”. Depois de ir umas três vezes a Altinópolis
e observar atentamente todos os rostos durante as missas e as quer-
messes não tardou a reivindicar o título de “o mais feio do município”.
Meu tio Tita sempre viveu da terra. Plantou e criou quase tudo,
mas seu forte e sua predileção sempre foi a cultura do café. Criou
ainda cinco filhos, dois homens e três mulheres e dizem que nunca
bateu em nenhum deles, e olha que teve um que fez por merecer
muitas surras! De certa feita, o Tita foi abrir um sítio na Serra, belo
conjunto de montanhas próximo de Altinópolis. Local inóspito na
época: doença de Chagas, malária, cobras e mais um monte de peri-
gos afugentavam a peãozada, mas com Tita eles foram! Sabia cativar
as pessoas, sempre alegre e brincalhão, não perdia a oportunidade
para contar uma boa piada.
Sítio aberto, café crescido, peãozada vem e vai, mas cafezal precisa
de mão-de-obra fixa. Carpir, podar, estercar. Adubo químico era um
luxo! Se morria algum animal, galinha, cachorro, o que fosse, o Tita
escolhia o pé de café mais fraquinho, fazia uma cova junto às raízes e
lá enterrava o animal para reforçar a alimentação daquela planta. O
cavalo de um vizinho foi tentar atravessar o mata-burro e quebrou a
perna. Uma fratura feia sem chance de recuperação. O vizinho, mui-
to amoroso com o cavalo, foi pedir ao Tita para sacrificá-lo.