Causos do Cabete
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- Tudo bem! disse ele. Desde que eu possa enterrá-lo em minha pro-
priedade.
Primeiro abriu a cova rasa próximo a um conjunto de pés de café
desiguais, menores que o restante da lavoura. Levou dois bois, suas
cangas e correntes. Para não haver perda de sangue sacrificou o cavalo
com uma grande marreta de dez quilos e com a ajuda dos bois arras-
tou-o até a cova. Passado mais de um ano do episódio do cavalo um
novo peão foi contratado para ajudar a carpir o cafezal. Logo o peão
mostrou-se ruim de serviço. Só trabalhava com alguém a cutucá-lo e
vigiá-lo o tempo todo.
Acostumado a colocar o peão na lida e ir cuidar de outros afazeres o
tio Tita ficou incomodado com a situação. Também não queria mandá-
lo embora pois os militares no poder haviam inventado novas leis que
davam polpudas indenizações aos trabalhadores rurais. Fórmula bem
sucedida para esvaziar o campo com medo das “Ligas Camponesas”
comunistas. Com a população concentrada nas cidades o controle fica-
va mais fácil.
A sorte lhe sorriu naquela tarde. Foi carpir café junto com o peão
para forçar o ritmo de trabalho dele. Cada um carpindo uma rua do
cafezal e o empregado se via obrigado a seguir a mesma velocidade de
trabalho do patrão. Em uma bonita moita de mato, o homem enterrou
a enxada e quando o mato saiu, ele deu um grito, largou a ferramenta e
saiu correndo, tropeçando nos montinhos de mato já carpidos e vira-
dos com as raízes para cima.
- Seu Tita! Seu Tita! Acode aqui seu Tita!
- O que foi isso? É cobra? Marimbondo?
- Não seu Tita! É uma caveira! disse o empregado se benzendo todo.
Meu tio foi até a moita que o peão apontava de longe e viu saindo da
terra somente uma parte dos dentes do cavalo. Da forma como estava
até parecia uma mandíbula humana. A idéia veio como relâmpago e ele
não perdeu tempo:
- Não se preocupe! Isto não é nada não!
- Como não, seu Tita?! É uma caveira!
- Tá bom! Como você é de confiança vou lhe contar.
- Uns dois anos atrás apareceu aqui um negro pedindo trabalho. Eu
o contratei mas depois vi que era muito ruim de serviço. Sem dinheiro
para indenização só tive uma saída: bati com o olho da enxada na cabe-
ça dele e o enterrei aí para adubar esse pé de café que estava muito
raquítico! Olha só que beleza ficou!