Causos do Cabete

(Bruno Cabete) #1
CausosdoCabete | 118


  • Tudo bem! disse ele. Desde que eu possa enterrá-lo em minha pro-
    priedade.
    Primeiro abriu a cova rasa próximo a um conjunto de pés de café
    desiguais, menores que o restante da lavoura. Levou dois bois, suas
    cangas e correntes. Para não haver perda de sangue sacrificou o cavalo
    com uma grande marreta de dez quilos e com a ajuda dos bois arras-
    tou-o até a cova. Passado mais de um ano do episódio do cavalo um
    novo peão foi contratado para ajudar a carpir o cafezal. Logo o peão
    mostrou-se ruim de serviço. Só trabalhava com alguém a cutucá-lo e
    vigiá-lo o tempo todo.
    Acostumado a colocar o peão na lida e ir cuidar de outros afazeres o
    tio Tita ficou incomodado com a situação. Também não queria mandá-
    lo embora pois os militares no poder haviam inventado novas leis que
    davam polpudas indenizações aos trabalhadores rurais. Fórmula bem
    sucedida para esvaziar o campo com medo das “Ligas Camponesas”
    comunistas. Com a população concentrada nas cidades o controle fica-
    va mais fácil.
    A sorte lhe sorriu naquela tarde. Foi carpir café junto com o peão
    para forçar o ritmo de trabalho dele. Cada um carpindo uma rua do
    cafezal e o empregado se via obrigado a seguir a mesma velocidade de
    trabalho do patrão. Em uma bonita moita de mato, o homem enterrou
    a enxada e quando o mato saiu, ele deu um grito, largou a ferramenta e
    saiu correndo, tropeçando nos montinhos de mato já carpidos e vira-
    dos com as raízes para cima.

  • Seu Tita! Seu Tita! Acode aqui seu Tita!

  • O que foi isso? É cobra? Marimbondo?

  • Não seu Tita! É uma caveira! disse o empregado se benzendo todo.
    Meu tio foi até a moita que o peão apontava de longe e viu saindo da
    terra somente uma parte dos dentes do cavalo. Da forma como estava
    até parecia uma mandíbula humana. A idéia veio como relâmpago e ele
    não perdeu tempo:

  • Não se preocupe! Isto não é nada não!

  • Como não, seu Tita?! É uma caveira!

  • Tá bom! Como você é de confiança vou lhe contar.

  • Uns dois anos atrás apareceu aqui um negro pedindo trabalho. Eu
    o contratei mas depois vi que era muito ruim de serviço. Sem dinheiro
    para indenização só tive uma saída: bati com o olho da enxada na cabe-
    ça dele e o enterrei aí para adubar esse pé de café que estava muito
    raquítico! Olha só que beleza ficou!

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