® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Antonelli, que é diretor científico dos Kew Gardens desde 2019, ciceroneou o príncipe e
o presidente na visita ao jardim botânico. Ele primeiro conduziu as autoridades ao
herbário, lar de uma coleção de cerca de 7 milhões de espécimes. Ali, Ondimba foi
apresentado à principal atração da visita: uma semente de café. Tratava-se da Coffea
stenophylla, que não era encontrada na natureza desde 1954. Uma equipe de cientistas
dos Kew Gardens redescobriu a raridade em 2018, em uma floresta de Serra Leoa, na
África.


São conhecidas 124 espécies de café. Duas apenas – a Coffea arabica (arábica) e a Coffea
canephora (robusta, também chamada conilon no Brasil) – respondem por 99% da
produção global de café industrializado, tanto por causa de sua qualidade para o
consumo, quanto por sua resistência nos plantios. O problema é que ambas correm o
risco de não sobreviver ao próximo século, uma vez que não suportariam a elevação da
temperatura global. (No Brasil, maior produtor mundial de café, a semente mais
comum é a arábica.)


Até 2021, não se conhecia uma espécie de café capaz de aguentar o baque das
mudanças climáticas – até que o botânico Aaron Davis, dos Kew Gardens, demonstrou
que a Coffea stenophylla poderia cumprir esse papel. A pesquisa, publicada na
revista Nature Plants naquele ano, provou que a semente é capaz de resistir a
temperaturas de até 1,9°C acima do limite suportado pela robusta e de até 6,8°C acima
do limite tolerado pela arábica. Além disso, a Coffea stenophylla passou com louvor na
prova de paladar feita às cegas por degustadores profissionais.


A pesquisa com essa semente esquecida de café era a boa notícia que Charles pretendia
transmitir a Ondimba, pois o Gabão tem terras potencialmente aptas para o seu plantio.
Além disso, o príncipe, que tem se dedicado com afinco às questões ambientais, queria
mostrar ao presidente como as investigações científicas realizadas nos Kew Gardens
estão ajudando no plano estratégico da Sustainable Markets Initiative (SMI, Iniciativa
de Mercados Sustentáveis), a menina dos olhos de Charles. A organização lançada por
ele em 2020 tem como meta incentivar o setor privado a investir na economia
sustentável, como diz seu nome.


Não é o único projeto cultivado pelo príncipe com a SMI. Ele também ambiciona criar
um conjunto de direitos da fauna e da flora para ser adotado mundialmente. A
iniciativa se chama Terra Carta, nome que faz referência à Magna Carta, o primeiro
ensaio de Constituição moderna da história por ter fixado em 1215 os direitos e deveres
dos cidadãos ingleses, submetendo até mesmo o poder real ao domínio da lei comum.
A Terra Carta foi uma ideia que Charles apresentou na One Planet Summit, conferência
dedicada à preservação da biodiversidade, realizada em Paris em janeiro do ano
passado. Cerca de trinta chefes de Estado estavam presentes. O do Brasil não foi

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