Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

que, agora, estou com a respiração presa, continuo a debulhar no disco a série de
algarismos, a aspirar com a orelha os fantasmas de sons que afloram do
aparelho: um tamborilar de “ocupado” como que em segundo plano, tão vago
que é de esperar que seja uma interferência fortuita, algo que não nos diga
respeito; ou então um chiado abafado de descargas, que poderia anunciar o
sucesso de uma complicada operação ou, pelo menos, de uma fase
intermediária, ou ainda o silêncio cruel do vazio e do escuro. Em algum ponto
não identificável do circuito minha ligação perdeu o caminho.
Desligo e novamente pego o gancho, tento de novo, com redobrada lentidão,
os primeiros algarismos do prefixo, que servem apenas para encontrar uma via
de saída da rede urbana e depois da rede nacional. Nesse ponto, em alguns
países uma tonalidade especial avisa que essa primeira operação teve êxito; se
não se ouve o ronco de uma musiquinha é inútil debulhar outros algarismos:
temos de esperar que uma linha desocupe. No nosso país, às vezes é um
brevíssimo assobio que ouvimos no final do prefixo, ou no meio do caminho; mas
não para todos os prefixos e nem em todos os casos. Em suma, que se tenha ou
não ouvido o assobiozinho, isso não dá nenhuma certeza: emitido o sinal de
caminho desimpedido a linha pode continuar muda ou morta, ou se revelar
inesperadamente ativa sem ter dado antes nenhum sinal de vida. Por isso,
convém não desanimar em nenhuma hipótese, discar o número até o último
algarismo e esperar. Isso quando não acontece de o sinal de ocupado explodir na
metade do número, avisando que é esforço perdido. Melhor assim, aliás: posso
desligar logo, poupando uma nova inútil espera, e tentar de novo. Mas, no mais
das vezes, depois de ter me lançado na enervante empreitada de marcar uma
dúzia de algarismos na roda do disco, fico sem notícias dos resultados de meu
esforço. Por onde estará navegando, nessas alturas, a minha ligação? Estará
ainda parada no aparelho registrador da central de partida, esperando a sua vez,
em fila, junto com outras ligações? Já terá sido traduzida em ordens dadas aos
seletores, dividida em grupos de algarismos que se lançam em busca da entrada
para as sucessivas centrais de trânsito? Ou voou sem tocar em obstáculos até a
rede da sua cidade, do seu bairro, e ali ficou agarrada como uma mosca numa
teia de aranha, esticando-se para o seu telefonema inalcançável?
Do fone não me vem nenhuma notícia, e não sei se devo me dar por vencido
e desligar, ou se de repente uma leve carga sussurrante me informará que a
minha ligação encontrou um caminho livre, partiu como uma flecha e daqui a
poucos segundos despertará como um eco a campainha do seu telefone.
É nesse silêncio dos circuitos que estou falando com você. Bem sei que,
quando finalmente nossas vozes conseguirem se encontrar na linha, nos diremos
frases genéricas e truncadas; não é para lhe dizer alguma coisa que estou
ligando, nem para que você pense que deve me dizer alguma coisa.
Telefonamo-nos porque só no fato de nos falarmos numa ligação internacional,

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