de nos procurarmos aos tateios através de cabos de cobre enterrados, de relés
emaranhados, de turbilhões varrendo seletores engarrafados, nesse ato de
sondar o silêncio e esperar o retorno de um eco, perpetua-se o primeiro
chamado do afastamento, o grito do instante em que a primeira grande
rachadura da deriva dos continentes se abriu sob os pés de um casal de seres
humanos e os abismos do oceano se escancaram para separá-los, enquanto ele
numa margem e ela na outra, arrastados precipitadamente ao longe,
procuravam com seu grito lançar uma ponte sonora que ainda os mantivesse
juntos, mas esse grito ia ficando cada vez mais fraco até que o ronco das ondas
o levasse sem esperança.
Desde então a distância é a urdidura que sustenta a trama de toda história
de amor como de toda relação entre os vivos, a distância que os pássaros
tentam vencer soltando no ar da manhã as arcadas sutis de seus gorjeios, assim
como nós ao lançarmos nas nervuras da terra rajadas de impulsos elétricos
traduzíveis em ordens para os sistemas de relé: única maneira que resta aos
seres humanos de saber que estão se telefonando pela necessidade de se
telefonarem, e ponto final. É verdade que os pássaros não têm muito mais a se
dizer do que tenho para lhe dizer, eu que insisto em mexer o dedo na roda de
moer números, esperando que um clique mais feliz que os outros faça tilintar a
sua campainha.
Como um bosque atordoado com o gorjeio dos pássaros, nosso planeta
telefônico vibra de conversas realizadas ou tentadas, de trinados de campainhas,
do tilintar de uma linha interrompida, do silvo de um sinal, de tonalidades, de
metrônomos; e o resultado de tudo isso é um pio universal, que nasce da
necessidade de cada indivíduo de manifestar a algum outro sua própria
existência, e do medo de compreender no final que só existe a rede telefônica,
enquanto quem chama e quem responde talvez realmente não existam.
Mais uma vez errei o prefixo, das profundezas da rede chega-me uma
espécie de canto de pássaros, e depois fiapos de conversas alheias, e depois um
disco em língua estrangeira que repete “o número discado está fora de serviço
no momento”. No final, chega o apressado “ocupado” para barrar qualquer
passagem. Pergunto-me se então você também está tentando me ligar e está
encontrando os mesmos obstáculos, gesticulando às cegas, perdendo-se no
mesmo labirinto espinhoso. Estou falando com você como nunca falaria se você
estivesse escutando; toda vez que ponho o fone no gancho, apagando a frágil
sucessão de algarismos também apago todas as coisas que disse ou pensei como
num delírio: é nessa procura ansiosa, insegura, frenética que estão o princípio e o
fim de tudo; nunca saberemos um do outro mais do que esse sussurro que se
afasta e se perde pelo fio. Uma inútil tensão da orelha concentra a carga das
paixões, os furores do amor e do ódio, os quais — durante minha carreira de
executivo de uma grande companhia financeira, nos meus dias regulados por um
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1