O desconhecido tinha um tom ainda mais humilde.
— Olhe — disse —, ainda está desamarrado.
Meu desejo era desaparecer numa nuvem. Não respondi nada, abaixei-me
para dar o laço no cadarço com furiosa diligência. Meus ouvidos apitavam e eu
achava que todas as pessoas que passavam ao redor, me esquivando, eram as
mesmas que tinham me esquivado da primeira vez e já haviam reparado em
mim, e que entre elas murmuravam comentários irônicos.
Mas agora o sapato estava bem amarrado, apertado, e eu andava leve e
confiante. Aliás, agora eu esperava, com uma espécie de orgulho inconsciente,
topar mais uma vez com o desconhecido, quase para me reabilitar.
Porém, assim que dei a volta na praça e me vi a poucos passos dele, na
mesma calçada, o orgulho de repente deixou de me comprimir por dentro,
dando lugar ao pavor. Na verdade, o desconhecido, ao me olhar, tinha no rosto
uma expressão aborrecida e se aproximava de mim balançando levemente a
cabeça, com ar de quem se lamenta de algum fato natural acima da vontade
dos homens.
Enquanto ia andando, eu olhava de rabo de olho, apreensivo, o sapato
incriminado; continuava amarrado, como antes. Mas, diante do meu pavor, o
desconhecido continuou a balançar a cabeça por algum tempo e depois disse:
— Agora o outro está desamarrado.
Tive então esse desejo que vem nos pesadelos, de apagar tudo, de acordar.
Ostentei uma careta de revolta, mordendo um lábio como numa imprecação
reprimida, e recomecei a triturar freneticamente os cordões, curvado no meio
da rua. Levantei-me sentindo o rosto vermelho e fui andando de cabeça baixa,
desejando nada mais do que me esquivar dos olhares das pessoas.
Mas naquele dia o tormento ainda não havia terminado: enquanto eu
acelerava o passo a caminho de casa, apressado, sentia que, devagarinho, as
laçadas do cadarço escorregavam uma sobre a outra, que o nó ia afrouxando
cada vez mais, que os cordões, aos poucos, iam se soltando. Primeiro, diminuí o
passo, como se um pouco de cautela fosse suficiente para o incerto equilíbrio
daquela confusão. Mas minha casa ainda estava longe, e as pontas do cadarço já
se arrastavam pelo calçamento, em voos curtos. Então fui andando num ritmo
aflito, de fuga, perseguido por um terror alucinante: o terror de me ver de novo
diante do inexorável olhar daquele homem.
Era uma cidade pequena, recolhida, onde todo mundo ia e vinha; numa só
volta, em meia hora se encontravam três, quatro vezes as mesmas caras. Agora
eu caminhava por ela parecendo um fantasma, angustiado, entre a vergonha de
me exibir de novo na rua com um sapato desamarrado e a vergonha de ser visto
de novo curvado para amarrá-lo. Os olhares das pessoas me pareciam se
adensar ao meu redor, como galhos de um bosque. Enfiei-me no primeiro portão
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1