Um General na Biblioteca

(Carla ScalaEjcveS) #1

fosse finalmente o doutor Gigi Starna — foi carinhosa por parte de alguns e
hostil por parte de outros. Os primeiros viam no dinamarquês um animal
fraterno, uma vigorosa criatura livre que era mantida em cativeiro, um
companheiro de servidão; os segundos, somente uma alma danada da classe
dirigente, um de seus instrumentos ou de seus penduricalhos, um de seus luxos.
As mesmas opiniões divergentes, em suma, que às vezes os operários
manifestam a respeito da raça dos intelectuais.
O comportamento de Guderian foi, ao contrário, reservado e indiferente,
fosse para quem lhe dizia: — Que gracinha! Vem cá! Dá aqui a pata! —, fosse
para quem lhe dizia: — Passa fora! Com um leve ar de desafio que se
manifestava em focinhadas olfativas superficiais e num abanar de rabo
uniforme e lento, circulou por todos eles: não se dignou a dar nem uma olhada
para o sardento e encaracolado Ortica — aquele que entendia de tudo e que,
mal entrou, plantou os cotovelos em cima da mesa para folhear umas revistas
publicitárias que ali estavam, e, vendo o cachorro, examinou-o de cima a baixo
e disse tudo sobre a raça, a idade, os dentes e o pelo —, e muito menos para o
glabro Criscuolo, de olhos perdidos e distantes, que, chupando um cigarro
apagado, tentou tascar-lhe um pontapé. Fantino, que tirara do bolso o seu jornal
amarfanhado, um jornal proibido na fábrica — e que ele, se sentindo naquele
momento protegido por uma espécie de imunidade diplomática, aproveitava
para ler durante o tempo de espera, já que de noite, em casa, o sono o pegava
depressa —, viu o focinho cor de defumado do cachorro de olhos vermelhos e
brilhantes aparecer por cima de seu ombro, e instintivamente, ele, homem não
habituado a se deixar amedrontar, resolveu dobrar a página para esconder a
manchete. Chegando a Tommaso, Guderian parou, sentou-se sobre as patas
traseiras e ficou de orelhas em pé e fuça levantada.
Tommaso, que não era do tipo de se meter a brincar com bichos, e nem
mesmo com pessoas, por uma certa submissão ao se encontrar naquele local
imponente e reluzente achou-se no dever de manifestar ao cachorro algum
gesto de gentil cordialidade, como um estalo de língua, ou um leve assobio, que
de repente, devido às suas descontroladas reações de surdo, acabou saindo
extremamente agudo. Em suma, tentou restabelecer essa confiança espontânea
entre homem e cachorro que o transportava à sua juventude no campo, aos cães
camponeses, sabujos mansos e orelhudos, ou peludos e rosnantes cãezinhos de
galinheiro. Mas a disparidade social entre aqueles seus cachorros e este, tão
lustroso, bem tosado e patronal, logo lhe saltou aos olhos, e ele ficou como que
intimidado. Sentado com as mãos nos joelhos, mexia a cabeça em tremores
laterais, de boca aberta, como num latido mudo, para convidar o cão a se
decidir, a se mexer, a sair dali. Mas, em vez disso, Guderian ficava na frente
dele, imóvel e ofegante, e finalmente esticou o focinho para uma aba do paletó
do velho.

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