percepção desajustada da realidade”, leu numa página. “Incapacidade de se orientar
no tempo, no espaço ou nas próprias circunstâncias pessoais.”
Eva levou um susto. Estava mesmo tão mal?! Delírios e alucinações? Incapacidade
de se orientar nas próprias circunstâncias pessoais?
Isso podia ser traduzido mais ou menos como “completamente maluca”. Não quis
continuar a ler nem uma palavra mais. Digitou “trauma infantil”. Surgiu na tela
uma quantidade avassaladora de propostas terapêuticas. “O corpo recorda os
traumas da infância”, leu Eva, e só quando chegou ao final do texto entendeu que
tinha entrado na página de um massagista, que se oferecia para eliminar os traumas
corporais das pessoas (com chá gratuito na sala de espera e descontos a cada dez
sessões).
- Chame se eu puder ajudar em alguma coisa – disse o bibliotecário, que sorriu
timidamente e tirou da testa uma mecha um pouco comprida demais. - Obrigada, mas não é preciso – replicou, pega de surpresa. Na porta, tinha lido
que naquele dia a biblioteca estaria sem funcionários para atender aos usuários;
mas, pelo visto, um bibliotecário estava trabalhando.
Já podia levantar-se e voltar para casa, e esteve mesmo a ponto de fazê-lo. Podia ir
para lá, para o vinho e o som dos próprios passos, que ressoavam pela sala vazia. Ou
podia dedicar tempo ao...
Facebook. Fazia séculos que não entrava ali. Será que a dama de companhia tinha
perfil? Será que esse perfil poderia deixar Eva mais perto da resposta que estava
procurando? Quem era o falecido tio? Que circunstâncias tinham envolvido sua
morte? Antes, Eva teria que superar o perfil dela mesma e a comoção de ver a
própria foto. Ali, parecia tão jovem, tão alegre, tão cheia de... vida. Bochechas
cheinhas, energia, olhar brilhante, o cabelo ligeiramente desarrumado. Ainda se
lembrava do momento em que tinham tirado a foto, em Copenhague, no quarto do
antigo apartamento no distrito de Vesterbro. Fazia uns seis meses, no máximo.
Acabava de fazer amor com Martin, e de repente ele começou a tirar fotos de Eva