vencer. E, quando acontecem essas coisas, precisamos reconhecer o pouco que
conseguimos alcançar, como somos pequenos, e confiar que vão resolver o
problema nos mil anos subsequentes.
O cão tinha visto Eva antes que ela o visse. Tinha saído da rua e agora rosnava
para ela, escondido em uma moita.
- Cai fora!
Ele mostrou os dentes para Eva. Gastos como dentes de lobo. Talvez fosse mesmo
lobo. Eva se agachou para pegar uma pedra, a defesa mínima de que dispunha. O
movimento bastou para que o bicho saísse correndo. Estava acostumado a isso; as
crianças viviam lhe tacando pedras. Eva ficou parada um tempinho, apertando na
mão aquela sua arma, antes de seguir em frente. Só soltou a pedra quando viu o
prédio, como se enfim tivesse se livrado da angústia que tinha se apoderado de seu
coração por tanto tempo. Já havia chegado. Sim, era aquele o lugar, as ruínas do
abrigo de menores aonde a tinham levado quando menina. Não havia dúvida.
Embora não restasse nem uma vidraça sequer nas janelas, o abrigo ainda passava
aquela impressão de castelo que Eva admirara na época, quando sentiu que tinha
chegado a algum palácio. Os policiais a tiraram do carro deles. Uma freira a recebeu
na escada. As mãos, tão quentes contra as faces de Eva! Abraços. Muitas mãos e
muitas mulheres vestidas de modo idêntico; todas se pareciam.
Eva passou por cima de um monte de entulho de madeira e restos de sofá. Uma
trepadeira tinha perseverado e entrado pela janela; a vanguarda da natureza se
preparava para assumir o comando, apagar os vestígios do ser humano e de todas as
desgraças que vamos cometendo. Desgraças, órfãos – Eva ainda se lembrava de
todas as meninas. Várias estavam acordadas quando a levaram para o dormitório.
Olharam para Eva. Uma lhe sussurrou alguma coisa, mas Eva não conseguiu
entender o que ela dizia. A freira fez psiu para as duas, ficou um tempo acarinhando
o rosto de Eva, disse alguma coisa certamente meiga e tranquilizadora e foi embora.
Um pouco depois, Eva se ergueu na cama. Tinha voltado a chorar. Não conseguia