Nos trilhos da psicanálise
Baseando-se no trabalho com as pessoas atendidas
em seu consultório, propôs a livre associação de ideias,
método em que os indivíduos são incentivados a desa-
bafar e dizer qualquer coisa que pensem, mesmo que
elas não façam sentido em um primeiro momento. A
partir daí, as principais teorias freudianas surgiram.
Gisele Gomes, psicanalista formada pelo Instituto
Brasileiro de Ciências e Psicanálise (IBCP) e profes-
sora de teoria psicanalítica freudiana, conta que, para
aprimorar a sua teoria e aperfeiçoar o atendimento
aos seus pacientes, Freud iniciou um processo de
autoanálise e trabalhou com a interpretação de seus
próprios sonhos. Assim, em 1896, imortalizou o termo
‘psicanálise’. “A peça fundamental para tal método é
a obra A Interpretação dos Sonhos, lançada em 1899,
mas impressa com a data de 1900. É em seu livro dos
sonhos, como gostava de chamá-lo, que aborda pela
primeira vez as distinções entre inconsciente, pré-
-consciente e consciente, primeira tópica do autor”,
destaca a especialista.
A psicanalista Camila Moraes ressalta que Freud foi
pioneiro em uma época na qual a psiquiatria organicista
predominava no tratamento das psicopatologias. “Ele
foi o primeiro a falar sobre traumas emocionais, con-
flitos psíquicos e a dar voz para aqueles que sofriam,
a partir da aposta de que o sujeito (paciente) portava
um saber, ainda que inconsciente, a respeito de seu
adoecimento, acreditando que poderiam falar sobre
aquilo que lhes angustiava”, explica a profissional.
De acordo com Júlia Bárány, antes de Freud, falava-
-se de fenômenos psíquicos sem o conhecimento da
existência do inconsciente, portanto, sem a compre-
ensão de como funciona a psique humana. “Para ele,
a vida mental é contínua, numa sequência de causa e
efeito: para cada pensamento há uma causa, memória,
sentimento ou ação”, finaliza.
“freud representou um avanço sem precedentes
ao mostrar que há formas de pensamento além
daquelas que são conscientes e que, muitas
vezes, regem nossos discursos e nossas ações
sem nos darmos conta”
Virgínia Ferreira, psicóloga e psicanalista
Contestador, inovador e polêmico
A teoria psicanalítica e os conceitos desenvolvidos pelo
austríaco não foram bem recebidos pela comunidade médica
da época. “Seus métodos foram considerados anticientíficos
e até imorais. Freud foi pesadamente criticado ao afirmar
que a sexualidade se manifesta já na criança, mas o foi
por incompreensão do que ele postulou. A sexualidade,
segundo o pensador, é a força da vida, o que é diferente
de sexualidade genital”, analisa Júlia Bárány.
Diante da formulação de abordagens nunca antes
vistas, a adoção de estratégias contestadas e os de-
sentendimentos com outros pesquisadores, como é o
caso do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (saiba mais
na página 34), construiu-se uma figura polêmica. No
entanto, embora existam discordâncias e críticas, a
psicanálise freudiana suscitou discussões importantes
até mesmo para aqueles que se basearam em sua visão
para criar novos conceitos.
o fim
Freud era um judeu vivendo na Áustria em tempos
nos quais pensamentos nazistas estavam em ascensão.
Os livros do psicanalista, inclusive, alimentaram muitas
fogueiras nazistas. Foi nesse contexto de perseguições
que deixou Viena com destino a Londres, depois que
ele e sua filha Anna foram interrogados pela Gestapo
- a polícia secreta do governo alemão.
No entanto, o tempo do neurologista na Inglaterra
foi curto. Ele, que eternizou sua imagem com um
charuto na mão devido ao seu vício, havia descoberto
um câncer terminal na região da boca. Assim, no dia
23 de setembro de 1939, Freud faleceu. A teoria mais
divulgada sobre sua morte descreve seu pedido pelo
suicídio assistido quando percebeu que não havia
mais nada a fazer por sua saúde. Três doses altas de
morfina foram responsáveis por colocar um ponto
final na trajetória de Sigmund. Imagem: StudioJInc/GettyImages