ASÓSCOMOSLOBOS 75
Os outros ficaram a olhar, de cabeças inclina-
das para o lado. Depois, um a um, os lobos vira-
ram-se e olharam para mim. Eis uma sensação
difícil de descrever, o momento-chave em que
um grupo de predadores nos avista e nos prende o
olhar durante uma dezena de batimentos cardía-
cos. Os seres humanos não costumam ser objecto
dessa avaliação, mas o meu corpo pareceu reco-
nhecê-la em profundidade, para lá do pensamen-
to. Tremi de novo e, desta vez, não foi de frio. Por
muito brincalhões que tivessem parecido poucos
minutos antes, eram lobos selvagens. Tinham a
pelagem branca escurecida pelo sangue. A carca-
ça de que se tinham alimentado, um boi-almisca-
rado muito maior do que eu, jazia ali, com a caixa
torácica escancarada e as costelas abertas como
um leque aberto contra o céu.
Os lobos fitaram-me em silêncio. Comunica-
ram uns com os outros através de sacudidelas
das orelhas e da postura das caudas. Estavam a
tomardecisões.Passados alguns instantes, de-
cidiramaproximar-se.
ÃO EXISTE provavelmente
outro lugar na Terra onde
isto pudesse acontecer.
Foi por esse motivo que
viajei até à ilha de Elles-
mere, no Árctico cana-
diano, integrado numa
equipa de filmagem de
documentários.A paisagem é tão isolada e tão fria
durante o Inverno que os seres humanos rara-
mente a visitam.