National Geographic - Portugal - Edição 222 (2019-09)

(Antfer) #1
Foi nestas circunstâncias que Fernão de Ma-
galhães se deixou tomar pela ambição de con-
cretizar o seu sonho e que resolveu sair do reino
e oferecer os seus serviços à monarquia caste-
lhana, a única que de facto poderia acolher o
seu projecto.
Após a morte de Fernando, o Católico, em 23
de Janeiro de 1516, os reinos de Castela e Ara-
gão estavam concentrados sob a autoridade da
rainha Joana, mas esta mostrava-se incapaz de
reger os seus domínios e o seu filho Carlos veio
à Hispânia assumir a governação em seu nome,
nunca a tendo deposto, mas mantendo-a no ca-
tiveiro de Tordesilhas onde fora colocada pelo
próprio pai. O jovem Carlos, prestes a ganhar a
eleição imperial, mas ainda sem dispor das ri-
quezas americanas que lhe cairiam nas mãos,
estava naturalmente desejoso de comparticipar
no negócio das especiarias que dava fama e ri-
queza a seu tio (e logo cunhado) Dom ManuelI.
O aparecimento de Fernão de Magalhães na
sua corte estava destinado ao favorecimento
régio. Com efeito, Fernão de Magalhães trazia
consigo quase um século de experiência náu-
tica acumulada pelos portugueses e tambémo
seu conhecimento do Índico e especialmente
dos mares da Insulíndia, pelo que valia a pena
Carlos arriscar o investimento na armada queo
nobre luso lhe solicitava.
A ORGANIZAÇÃO DA ARMADA foi um processo
complexo, resultante das naturais desconfianças
entre portugueses e castelhanos e da dificuldade
em encontrar nobres castelhanos que aceitas-
sem submeter-se à autoridade de um português.
O primeiro ano de viagem, conturbado por dis-
cussões e princípios de motim a bordo, compro-
varia a força e as fragilidades de Fernão de
Magalhães como comandante naval.
Note-se que o navegador não tinha qualquer
prova de que a passagem para o lado de lá da
América existisse e, quando se chegou à conclu-
são de que a larguíssima foz do rio da Prata não
era a boca de um estreito, não lhe restou mais
nada senão prosseguir para sul, na esperança
de que o continente americano acabasse mais
cedo ou mais tarde, ao mesmo tempo que en-
frentava a contestação e depois a conspiração
dos capitães castelhanos.
O prosseguimento da jornada ao longo da cos-
ta da Patagónia já foi uma espécie de fuga para
a frente, pois Magalhães não tinha condições
pessoais nem políticas para regressar a Caste-

MORANDI

Fernão de Magalhães
Óleo sobre madeira,
anónimo, século XVI.
Academia Real de
Belas-Artes de San
Fernando, Madrid.
GRANGER, NYC / ALBUM

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