Veja - Edição 2661 (2019-11-20)

(Antfer) #1
entrevista

14 20 de novembro, 2019

noam bardin

Mas a falta de segurança nas gran-
des cidades, especialmente em paí-
ses mais pobres, com desigualdade
social, como o Brasil, não pode ser
um obstáculo para a carona? No co-
meço, as pessoas serão resistentes.
Mas logo notarão as vantagens. Foi
assim com o Airbnb. De início, per-
guntavam-se: “Como alguém aceita-
rá um estranho dormindo em sua ca-
sa?”. No fim, todos se adaptaram, e
virou um sucesso global. A questão
central é que, sem o compartilha-
mento de carros, se continuarmos
como hoje, o trânsito vai piorar ex-
ponencialmente, até a insustentabili-
dade do sistema.

Por quê? Já reparou que os cidadãos
de quase todos os países julgam que
enfrentam o pior trânsito do planeta?
Essa é a sensação no Brasil, no Méxi-
co, em Israel, nos Estados Unidos. A
impressão é resultado da urbanização.

Como assim? As cidades não foram
originalmente construídas para abri-
gar populações tão grandes. Atrelado
a isso, o bom cenário econômico de-
pende da efetividade da forma como
se transportam as pessoas. Hoje, es-
ses elementos não convivem de ma-
neira adequada, o que é ruim para a
saúde, para a economia, para a vida.
Não há outra solução senão o com-
partilhamento dos veículos existen-
tes. E isso pode ser feito rapidamente,
por meio do suporte das novas tecno-
logias. Pense de novo no Airbnb. Ho-
téis levaram décadas para construir,
tijolo após tijolo, seus quartos. O Air-
bnb precisou de apenas quatro anos
para ter igual oferta de quartos,
apoiando-se em casas e apartamen-
tos que já existem. Com o sistema de
caronas, a lógica é similar. Um dia os
carros serão, sim, autônomos e elétri-
cos. Até lá, porém, não faz diferença.
O ponto primário deve ser que, sem
compartilharmos os automóveis, fi-
caremos parados no trânsito.

“O carro


autônomo


representa


o maior desafio


tecnológico


de nossa geração,


equivalente ao


desenvolvimento


da internet,


ou da bomba


atômica”


máximo as ferramentas de geoloca-
lização e de troca de informações.
Os autônomos representam uma ino-
vação que parece estar logo ali, na
esquina, prestes a acontecer, mas
que na prática deve demorar para
vingar por completo. Antes deles,
contudo, haverá a eletrificação dos
carros. Enfim, antes de termos veí-
culos sem motoristas, veremos uma
mudança brutal no modelo de abas-
tecimento, com a redução do uso do
combustível fóssil.

E por que tanta demora com os car-
ros autônomos, a tecnologia está
mais do que madura? Para começar,
existe o desafio regulatório. Quem se
torna responsável pelo quê nas ruas
tomadas pelos autônomos? Depois,
há a dificuldade da produção, pois
adaptar as fábricas será um proble-
ma enorme. Além disso, ainda falta
estabelecer um modelo de negócios.
Quem é o concorrente do carro autô-
nomo? O taxista, o motorista de
Uber, que fornecem serviços bara-
tos. Do ponto de vista econômico, os
automóveis automatizados valerão
os custos? São perguntas que preci-
sam ser feitas.

Mas quanto tempo, afinal, levará pa-
ra vermos veículos autônomos pelas
ruas e avenidas das grandes cidades
do Brasil, por exemplo? Algumas dé-
cadas, pelo menos. Já existem mode-
los por aí, mas em situações controla-
das. E eles não estão disponíveis para
a população em geral.

Talvez tenha havido exagerada cele-
bração da chegada dos autônomos.
Não seriam necessárias antes adap-
tações tecnológicas? Sim. Nesse
ponto, na verdade, ninguém sabe ain-
da qual será o modelo de autônomo
que vingará. Antes de tudo é preciso
garantir 100% de eficiência sem um
humano na direção. Teoricamente, fa-
cilitaria se os governos municipais

participassem da implementação, ins-
talando sensores pelas ruas, que aju-
dariam a guiar o computador dos au-
tomóveis. Contudo, não podemos
contar com esse esforço por parte do
poder público. Por isso, o caminho se-
rá fazer com que o veículo “enxergue”
como um humano. Em vez de reagir a
estímulos de outras tecnologias, o au-
tônomo deverá, por si só, verificar se o
semáforo está vermelho ou verde. Só
quando isso ocorrer é que se poderá
imaginar uma profusão de carros
guiados por inteligência artificial.

Desenvolvedoras e fabricantes des-
ses modelos gostam de dizer que eles
solucionarão todos os empecilhos do
tráfego urbano. Compartilha desse
entusiasmo? De nada adiantará en-
quanto houver carros em demasia nas
ruas, autônomos ou não. É fundamen-
tal, definitivamente, pôr mais gente
dentro dos veículos. Por isso o Waze
aposta na funcionalidade do Carpool,
que realiza a intermediação de caronas
por meio do aplicativo. O futuro está
nessa solução, não tenho dúvida.

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